quarta-feira, 7 de abril de 2010

O Conto sob a ótica do filho

Meu pai homem prosaico, igual a todos, cumpridor dos deveres, obediente as leis, um pacato cidadão que um dia encomendou uma singular canoinha e saiu a remar pelo rio rompendo uma ordem, uma santa trindade: a sagrada família. Estabelecendo outra: ele, a canoa e o rio, para ir em busca da sua bem aventurança fazendo grande sacrifício.

O pai é um herói? Alguém que da a vida por algo maior que ele mesmo? Sentiu faltar algo entre as experiências permitidas aos membros de nossa sociedade?

Assim partiu numa aventura que ultrapassa o usual, para então retornar com uma nova mensagem, as boas novas que nos levaram ao outro nível de existência?

Será ele um Cristo expiando alguma falta nossa, sendo assim a canoa a sua cruz? Jonas indo para beira do rio e deixando-se engolir pela sua baleia/ canoa para depois ressurgir rumo a uma nova vida?

Talvez Buda recolhendo-se em isolamento na sua canoa feita da arvore “bo”, a arvore da vida e do conhecimento imortal para receber sua iluminação? Ou Noé, Ulisses, a Cobra Norato, Miguel dos Santos Prazeres, Carontes, Osíris?

Tantas possibilidades tantas duvidas e nenhuma resposta, porem não são as certezas que nos fazem ter fé e continuar a viver, são as inquietações de nossas almas, os grandes mistérios, o não saber. Tornei-me sacerdote de meu pai velando todos os dias sua silueta sombria do leito do rio, levando-lhe comida e conservando sua memória.

Criei uma nova religião, uma religação, uma nova trindade: o rio, meu pai e eu. Porem também sou filho do meu tempo, desejei que a grande revelação me fosse dada de graça nesse sistema de religião fácil, igual a qualquer fiel que vai a igreja e senta no banco esperando escutar os sagrados mistérios todos bem explicadinhos . Sim, eu também esperava que meu pai viesse ate a margem do rio e me contasse suas motivações, para poder entender as minhas e o meu destino.

Contudo isso é uma busca individual, ninguém vai nos dizer o que fazer de nossas vidas ou o que diabos é a terceira margem, isso é algo que se descobre sozinho.

Compreendi o meu destino minha bem aventurança bem mais tarde, só na velhice que era tomar o seu lugar, mas quando esse momento chegou, eu temi. Por que eu fugi? Por que eu o trai? Não consegui pagar o preço. Sou o único assim? Ainda há salvação para mim?

Fabrício de Souzsa

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