domingo, 9 de maio de 2010

Ótica do pai

POEMA 1:
Gotas espalhadas pelo meu corpo
Calada, a companhia das águas do imenso mar
As profundezas das lembranças
Lavam os espaços perdidos entre minhas mãos
Que seguram os reflexos de um velho espelho
Refletindo meu ser despedaçado posto a se configurar

O rio do mundo com olhos cúmplices
Avisa o redemoinho na esquina navegada
Pedindo força nos braços hora calejados
Que dita num som distante
Que não se pode ter medo do mar
Posto que ele sou eu pronta a navegar.

POEMA 2:
Imenso mar
Que espelha o profundo das coisas do mundo
Que no seu fundo guarda quereres antigos
Sua água nem tempestade nem calmaria
tinha gosto do prazer suado
e do amor impossível
Mas dizia-se feliz
feliz e imensamente só
Dizia morrer sempre nas noites escuras
até que alguma Lua estendia-lhe a mão
Mas querendo brilhar
avistava um Sol e se oferecia a navegar.

POEMINHA 3:
Ah Mar, que de tão grande não me sai do corpo
e mostra que a cada dia de sol
o que me resta são tuas gotas de sal.

Nayane Muniz.

Na visão da Pedra

Toda essa situação é engraçada, eu to aqui há tanto tempo e ninguém se importa comigo, mas quando o doido meteu canoa n’água e por lá ficou, virou assunto em todo o vilarejo. Nem pedem por favor, mas guardam comida na minha boca, quando não, sentam em cima de mim, ou pior, pisam em mim. Queria ver se fosse o contrário, se eles iriam gostar. Mas volta e meia, dou o troco, deixo crescer limo nas minhas extremidades e é certo que alguém caia, meu principal freguês nessa hora, é o filho do doido.
Só porque não posso me mexer, fico na vontade de fazer as coisas. Enquanto o outro, que tudo pode fazer, perde a vida olhando pro rio, no mínimo esperando que o pai volte. Não entendo, tudo mundo já foi embora, mãe, irmã, irmão... Mas ele, não.
Meu lugar é privilegiado, quase tudo que acontece por aqui, eu presencio ou fico sabendo no disse-que-disse, uns vem de dia, outros de noite... Falam bem, falam mal... Mas o objeto da conversa não muda: o homem que se enfiou rio adentro apenas com data de partida.
O melhor nessa historia, foi a esposa, que antes de partir, vinha toda madrugada admirar o rio, longe dos olhos dos outros, ventos arrancavam lagrimas dos seus olhos. Ela que se mostrava durona diante dos outros, só a mim confessava o que realmente estava sentido.
Só eu sei o quanto ela queria dar um tapa na cara do marido, mas logo depois sentir seu afago. Ela sabia que doença não existia, que outra mulher não havia... Por isso não entendia, porque ele partiria. Mas uma coisa ela sabia, que saudade dele ela sentia.
O doido, apesar de todos procurarem por ele, só aparecia pro filho, eu ficava na dúvida se era carma ou graça... Vi quando olhou pro filho, vi quando acenou pro filho, vi quando chegou do meu lado na margem do rio, mas foi nessa hora que não vi o filho, saiu correndo e se escondeu o máximo que poderia e quando não viu mais o pai, voltou e pediu perdão, vai entender.
Quando só restou o filho por aqui, as noites de lua cheia são regadas a rezas e orações na margem do rio. Não agüento mais, acham que eu não sinto dor. Mas sinto! Não gosto nada nada, quando nessas noites, vem uma dúzia de pessoas e não param de pingar cera quente pra pregar as velas na minha costa, se tem gente que gosta, eu não!
Os conselhos que mais são ditos ao filho são para ele esquecer essa vida, e partir pra cidade, buscar pela sua mãe e pelos outros parentes, ou então, simplesmente pra ele viver, pois o que está fazendo não é vida, e sim, morte.
Mas não adianta, toda manhã ele está de volta, mesmo velho e acabado do jeito que está, não desiste. Está decidido a ser o pai e não mais o filho. Quer trocar de lugar com pai, mesmo sabendo que o pai não está mais lá. Quer subir na canoa, quer deixar de ser filho, quer ser pai, quer ser margem do rio... Quer ser a 3ª margem do rio.

(Autor: Diogo Arero)

Na visão do irmão caçula

O meu tempo aqui findou, amanhã vou embora, em busca de alguma cidade onde ninguém tenha ouvido falar na estória do meu pai, na nossa estória, deixarei tudo isso pra trás, não falarei, nem pensarei mais nesse acontecido. O que ninguém sabe é que hoje o nosso pai de foi para sempre... ou melhor se encantou, se integrou definitivamente no rio,ele agora é também rio... mistério...
Sempre soube, ao contrário do que todos imaginavam,o que se passava com o nosso pai... suas aflições, seu descontentamento, sua eterna agonia, não havia mais jeito,ele fora dominado pelo rio, e o próprio rio deu a ele tudo que ele precisava para cumprir o seu destino – sobreviver, viver e existir em paz – dessa forma osso pai era plenamente feliz. A mim até então coube viver a retaguarda de nosso pai, de todos e de tudo, essa era a minha sina... , acabou afinal !!!
Sigo em paz, pois sei que os meus estão bem, minha irmã já se mudou com o marido e o filho pra longe daqui e não demora nossa mãe seguirá os passos dela. Sofro por nosso irmão, que ao não entender a sina do nosso pai, ficou perdido entre o seu próprio destino e o destino dele... mas um dia ele se encontrará – ou não – Deus o guarde.
O rio agora ficará calmo por muitas gerações, até que apareça outro ser encantado como nosso pai e repita o seu viver, dando continuidade ao encanto e magia do rio, esse rio que nos dá e também nos tira a vida, esse rio que tem pensar, saber e vontade própria e até parece gente... quem sabe se não é...; ou deus como Poisedon, esse rio que para viver e da vida não se basta com belezas e duas margens e de tempos em tempos precisa de alguém encantador e encantado para ser a sua terceira margem.

Selma Santos

Visão de Guimarães Rosa

Nas minhas andanças, a história de um homem vivendo numa canoa próximo a margem do rio, de onde não saia nunca em nenhuma circunstância, me impressionou muito. Isto aconteceu num vilarejo num desses inúmeros sertões do Brasil. Um lugar quieto, sossegado e tranqüilo, cortado por um imenso rio de águas tranqüilas de onde de uma margem não se avistava a outra. Um rio bonito, num lugar lindo, agradável, de clima tropical cercado de vegetação rasteira, típica da região, com algumas árvores e muitos arbustos, que atraía para o lugar diversos tipos de pássaros e insetos que juntamente com a paisagem transformava tudo em um verdadeiro arco-íris, devido a variação de cores existentes. Os dias de sol e as noites de lua cheia nessa região são genuínas pinturas, um quadro perfeito de um grande artista.
Essa história poderia ser contada sob diferentes óticas: de qualquer membro da família, de um parente, de um amigo, de um vizinho, de um conhecido ou mesmo de algum outro ser, animal, coisa ou objeto, mas eu preferir contá-la na visão do filho mais velho, pelo fato dele ter se envolvido tanto com a situação do pai ao ponto de passar a viver completamente em função deste em detrimento da sua própria vida, perdendo assim a sua identidade.
Comove–me muito a reflexão que tive do ser humano a partir dessa história. Quantos canoeiros iguais aquele homem existem por ai neste mundão de Deus?... É só olhar em volta para enxergar-los, é só vê.
Recordo-me que em Salvador, capital da Bahia, na Liberdade (o bairro mais populoso da cidade) existiu há poucos anos, um jovem homem com mais ou menos uns trinta anos , que circulava pelas ruas entre os transeuntes completamente coberto de lama e quando esta secava ele se lambuzava de novo e continuava a sua caminhada em silencio, com aparência tranqüila, olhar fixo no horizonte, sem esbarrar em ninguém , sem emitir nenhum som , de tempos em tempos ele sumia e quando menos se esperava, lá estava ele nas ruas de novo, cabelos e barbas longas ,isso durante muitos e muitos anos, como apareceu, sumiu - o curioso para mim e as outras pessoas que o viram por muitos anos, é que a impressão que dava era a que ele não envelhecia . Era conhecido como o “homem sujeira do mundo”.
Em São Paulo no Parque do Ibirapuera, quem não ouviu falar do “profeta”, um homem de estatura mediana, idoso, magro, cabeludo e barbudo que circulava pelo parque gesticulando e gritando, falando coisas sem nexo, dizendo que o rio ia virar mar e o mar virar sertão, que os alimentos iriam acabar, não haveria mais árvores, florestas, matas, água para beber e haveria enchentes, inundações, seca, fome, frio e que o mundo iria se acabar. Pois é, ai está o aquecimento global e o nosso “profeta”, inspira hoje o homem propaganda da TV.
Eles podem ser encontrados em qualquer lugar do mundo em qualquer parte do planeta em praias, ruas, matas, florestas, praças, parques, etc... Por exemplo, em Nova York , no Central Parque temos a mulher árvore, em Paris ás margens do rio Sena, o homem apaixonado, em Roma ao redor da fonte dos desejos, os sonhadores, ... Eles são o nosso homem da canoa, a terceira margem do rio.

P.S.: Peço desculpas ao Dário (nosso diretor), aos colegas e especialmente ao MESTRE GUIMARÃES ROSA, por meu devaneio.
Selma Santos

Visão da loucura: Verdade ou loucura?

O que você é? Quem você é? Pra que você é?
Quão louco nos somos diante dessa total normalidade? Normalidade de um mundo louco, que esconde em seus padrões de perfeição a despresível hipocrisia de toda essa perfeição.
E mais uma vez. Pra quê?
Ah! Você se choca com a minha verdade?
E por que não se choca com suas próprias mentiras, que escondem a sua verdade?
A sua, não tão mais bonita, nem mais feia, não mais admirável, nem menos vergonhosa, que a minha verdade.
Que porra de senso comum?
Onde tá esse senso comum, se a verdade hoje em dia é tão incomum?
É meus queridos! A verdade é como um rio; guarda mistérios, lendas e algumas poucas verdades (provadas cientificamente). Porque só assim acreditamos. Não é verdade?
Mas, e nós? Como fazemos, se e a gente não vem com selo do IMETRO?
A gente acaba, na vontade, na ânsia, na carência, acreditando em qualquer coisa. Eu, pelo menos, sou assim.
Sabe que eu acho que é por isso que muitas pessoas preferem ficar sozinhas?
Até porque só quando estamos sozinhos é que somos verdadeiramente nós mesmos.
Eu, às vezes, tenho vontade de renunciar um monte desses hábitos culturais; ser um pouco mais animal, que é o que somos. Acho que dessa forma seríamos mais verdadeiros, mais naturais.
Às vezes, não sei mais nem o que seria a verdade, que até chego a pensar que a mentira é uma forma de verdade.
Que loucura, não?
Mas todos nós temos um grau de insensatez, ás vezes, o quanto nos convêm. Graças a Deus que temos!
Porque só a loucura desafia as regras estabelecidas pelo senso comum. Só o louco ousa, desafia o perigo e o desconhecido.
O mundo tá precisando de loucos, de loucos mais conscientes do que esse “bando de normais” que vemos por aí.
E por favor, não vamos fracassar diante de nossa covardia, diante do nosso medo da vida. Não vamos calar o q precisa ser dito, nem vamos deixar de viver o que essencialmente precisa ser vivido.
Só existindo com liberdade podemos curar e suplantar a dor que vida nos impõem.

Aldo Pessoa de Figueiredo.

Visão de um neto:

Nas noites de lua cheia, eu sempre fiquei acordado espiando o rio, espiando a lua que se espelha no rio, na esperança de ver ao menos o vulto do velho, um velho que foi morar no rio, aqui mesmo nesse rio, que passa no trapiche de nossa casa. E isso não é história inventada, foi ocorrido de verdade, saiu até em papel de jornal na época.
A história é assim: há muito tempo, um homem mandou fazer uma canoa, sem porque nem pra que. Quando a canoa ficou pronta, sem ninguém saber o motivo, ele se embrenhou no meio do rio. A esposa e os filhos (dois homens e uma mulher), de tudo fizeram pro velho voltar, mais o velho nunca voltou.
Meu pai morreu cedo, mas era ele quem me contava essa história e eu nunca esqueci. Ele também sempre falava que muito aprendeu com esse velho. Esse velho era pai do meu. A minha vó por parte do velho, meus tios e meu primo, eu nunca conheci, foram simbora daqui pra nunca mais.
Ontem, no meio da noite, vi um velho numa canoa, alí na beira. A noite tava um breu, mas posso assegurar que aquele velho era o meu avô. Eu senti isso!
Hoje é a última noite que passamos aqui. Minha mãe não aguenta mais a solidão. Vamos pras bandas da minha avó de mãe, num outro rio, que corre bem longe daqui.
Tinha uma música que meu pai sempre cantava, que era assim:
Meu pai vai.

Foi a canoa no rio
Foi nosso pai que partiu
Foi a canoa sumindo
Na groa do mato, o mato do rio

Rio de beleza e encanto
Por que tens que trazer tanta dor?
Rio que me dá de comer e beber
Traz de volta o meu pai por favor

Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai
Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai

Foi pai que ensinou a pescar
Foi pai que ensinou a nadar
Foi pai que ensinou a remar
Por pai aprendi a rezar


Foi pai que ensinou a pescar
A nadar, a remar, aprendi a rezar

Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai
Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai

Vai, vai, singrando, remando
Vai, vai, traz meu pai
Pai, pai, mistérios que eu canto
Pai, pai, meu pai vai.

Aldo Pessoa de Figueiredo.

Análise da obra III

1. Principais personagens

O pai, a mãe, o filho (personagem-narrador), a filha e o outro filho.

Observação: o fato de os personagens não terem nome reforça a idéia de
que sua caracterização física e psicológica não é colocada em primeiro
plano. O que prevalece é o referencial dos membros de uma família, uma
vez que são identificados por termos como pai, mãe, etc.

2. Fatos principais

* O pai mandou fazer uma canoa.
* Disse adeus aos familiares e saiu reio afora.
* O pai percorria o rio em ponto eqüidistante das
margens, indo e voltando pelas águas, mas sem sair daquele espaço
próximo à sua casa.
* Parentes, amigos e conhecidos reuniram-se para
tentar entender aquela atitude, fazendo cogitações sobre os possíveis
motivos que o levaram a agir assim.
* O filho mais velho levava para a beira do rio um pouco de comida que pegava escondido.
* A mãe mandou chamar seu irmão para ajudar na fazenda e nos negócios.
* O tempo ia passando e o pai continua no seu percurso de ir e vir, sem aproximar-se das margens.
* A filha casou-se , teve um menino e quis mostrá-lo
ao pai dela, levando-o para a beira do rio e esperando juntamente os
outros familiares.
* A família chamou e esperou; o pai não apareceu e todos choraram.
* A filha mudou-se com o marido e o filho.
* O irmão mais novo resolveu ir para a cidade.
* A mãe, envelhecida, foi residir com a filha.
* O filho envelhecera e sofria os primeiros problemas da velhice.
* O filho foi para a beira do rio e acenou com um lenço.
* Avistou o pai e chamou por ele, propondo tomar o seu lgar na canoa.
* O pai ouviu, ficou de pé e fez um aceno, concordando.
* Ele fez a canoa rumar para o local onde estava o filho.
* Quando o filho viu o pai se aproximar, apavorou-se e correu dali.
* O filho adoeceu.

3. Clímax


O clímax do conto concentra toda a carga emocional que vai se
acumulando ao longo da narrativa; é o momento que o pai, depois de
tantos e tantos anos, faz um aceno para o filho quando ele se propõe a
tomar seu lugar na canoa. Durante toda a história, todos esperavam
qualquer comunicação com o pai, o que nunca ocorreu até esse momento
específico da seqüência narrativa.




4. O desfecho

O desfecho é profundamente triste: o filho corre do pai e,
conseqüentemente, dos sofrimentos que teria de passar, caso tomasse seu
lugar na canoa. Essa atitude traz ao personagem um sentimento de culpa
e de completo fracasso. Resta-lhe somente a experiência da morte
iminente.



Sinopse

Um homem de meia-idade deixa sua familia e amigos para viver isolado em uma canoa no meio de um rio, na região central do Brasil, e jamais volta a pisar em terra firme. Seu único contato com as pessoas acontece através de seu filho Liojorge, que lhe deixa comida na margem do rio. Os anos se passam e a filha Rosário casa com um rapaz da região e vai morar na cidade. O filho também casa, mas decide permanecer com a mãe e continuar levando diariamente a comida para o pai invisível. Quando nasce Nhinhinha, a filha de Liojorge, e que tem poderes mágicos, o rapaz resolve levá-la até a beira do rio para apresentá-la ao pai.

Análise da obra II

O Homem manda construir uma canoa,despede-se da família sem palavra alguma e parte, tornando-se rio... Rio abaixo, rio acima, o pai, desfigurado de tempo, transforma-se em paisagem enquanto, à margem, o filho acompanha sua trajetória e tenta definir os porquês.
A rotina incorpora o mistério. A família se adapta à nova realidade, cria novas margens para o curso cotidiano, nascimentos e mortes marcam o tempo, e o que os outros falam preenche o pensamento da família. A culpa permeia os sobreviventes, mas todos se calam diante do silêncio da terceira margem.
O homem e o rio... Todos fingem não perceber a loucura - a lucidez é rendida pela culpa. Por que o homem abandonou a margem para ser meio de rio? Por que o filho abandonou a travessia para ser margem?
Sem destino, não há mais origem... A vida desmorona em frágeis margens... O homem, o filho, o rio... Paisagens coisificadas no mundo, homens lançados à margem de qualquer possibilidade.
A terceira margem do rio é um conto primoroso de Guimarães Rosa, onde o autor aborda a loucura e o abandono com a poesia e a linguagem que caracterizam o grande escritor. Trata metaforicamente a origem, o destino e a travessia, a necessidade de viver as águas, ora violentas, ora calmas, do rio com o objetivo de chegar ao lugar almejado.
O conto termina quando, num ato desesperado, o filho se oferece para ficar na canoa no lugar do pai e foge com a aproximação do mesmo. A iminência de se tornar rio e o primeiro gesto do pai depois de tantos anos o preenchem de medo. O filho pede perdão pelo "procedimento desatinado", mas o pai desapareceu para sempre no rio.
“Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio adentro - o rio.”
Em outras obras de Guimarães Rosa, encontramos as margens e os rios. No romance Grande sertão - Veredas, o protagonista Riobaldo fala sobre as margens do rio e como não percebemos a travessia por estarmos tão preenchidos de margens - de origens e destinos. A vida aporta às margens e não incorpora as vivências do rio.
“Ah, tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas - e no meio da travessia não vejo! - só estava era entretido nas idéias dos lugares de saída e de chegada.”
Homens que abandonam os ideais e ficam a cargo do rio da rotina; outros que enlouquecem e perdem o sentido, e ainda os que apenas preferem constituir calados à terceira margem, tornando-se indiferentes ao mundo. Não há responsabilidades ou objetivos, são apenas margens da margem num rio indiferente.
São tantos os rios passíveis de travessia... E também tantas as margens... Reticente, a linguagem demonstra a possibilidade de navegação dos grandes rios. O recomeço, a recriação de cada margem de origem e a transformação do destino em um novo porto inicial. Não são apenas as palavras de Guimarães Rosa que margeiam os grandes rios, são as ações, as diversas etapas de sua vida que demonstram a grandeza dos grandes navegadores.
Em 1952, Guimarães Rosa retornou aos seus "gerais" quando participou junto com um grupo de vaqueiros por uma viagem pelo sertão - longa viagem às raízes deste ilustre brasileiro que criou na literatura uma nova linguagem, imortalizando os homens que permaneceram à margem da história brasileira.
Com tantas veredas conquistadas na aridez dos sertões cotidianos, Guimarães Rosa é a pluralidade das margens, o curso dos rios ou a viagem aos grandes sertões individuais como inspiração para tantas novas crônicas. Aventurar-se na travessia é dar margem ao desbravamento de nossas possibilidades, escrevendo as lutas e realizações no centro do manuscrito.

Helena Sut

Análise da obra

A terceira margem do rio, da obra Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, é narrado em primeira pessoa e é o mais famoso e o mais aberto conto do autor. Existe no conto uma intertextualidade bíblica com Noé.

Tempo

Neste conto o tempo cronológico é de um longo período, toda a vida do narrador. Mas a intensidade com que as impressões e o amadurecimento do narrador são trabalhados dão enfoque ao tempo psicológico.

Espaço

O espaço é delimitado pela presença concreta do rio, caracterizando a paisagem rural de sempre. Desse espaço, como foi comentado anteriormente, emanam magia e transcendentalismo aos olhos do leitor, no ir e vir do rio e da vida.

Personagens

Os personagens são: filho (narrador-personagem), pai (“virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia”), mãe, irmã, irmão, tio (irmão da mãe), mestre, Padre, dois soldados e jornalistas.

Esses personagens, sem nomes, acabam se caracterizando como tipos sociais, por suas funções na história. A observação desse aspecto já mostra, no pai, a tendência ao isolamento. Sempre fora a mãe a responsável pelo comando prático da família. O pai, sempre quieto. O filho e narrador não foi aceito na infância para companheiro do pai no seu desafio. Na maturidade, quando tem a oportunidade, acha não estar preparado para ir rumo ao desconhecido, ao "inominável".

Recursos de estilo

• Toda essa estranha história vem vazada no já comentado estilo típico de Guimarães Rosa. A oralidade é reproduzida na fala do narrador: Do que eu mesmo em alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem ralhava no diário com a gente.

• As frases, curtas e coordenadas, independentes, garantem um ritmo lento e pausado à leitura: Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá concordando.

• A sintaxe é recriada de maneira inusitada, provocando estranhezas durante a leitura: "não fez a alguma recomendação", "nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele".

• A repetição também é um recurso expressivo comum ao autor, como no caso: e o rio-rio-rio, o rio sempre fazendo perpétuo.

• Neologismos também estão presentes ("diluso", talvez variante de diluto, diluído; ou "bubuiasse") ao lado de termos regionais como "trouxa", no sentido de comida e roupas, típico no falar dos boiadeiros; além de outras palavras pouco comuns: encalcou, entestou etc.

• As figuras de linguagem reforçam o lado poético do conto como exemplificam a gradação "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!", a antítese "perto e longe de sua família dele", além do próprio caráter metafórico do rio.

Sem dúvida, todos esses recursos geram dificuldade ao leitor que desafia a obra rosiana. Mas, uma vez enfrentados, eles permitem o acesso ao mundo do "encantatório", ao mundo do desconhecido, da terceira margem, que só poderia ser recriado por uma linguagem também recriada e nova, capaz de refletir todo o deslumbramento desse universo.

A temática deste conto é a loucura.

Desde o título, o leitor já depara com o insólito da obra rosiana: o que vem a ser a terceira margem do rio? A expressão provoca o entendimento a fim de despertá-lo para o mundo do inconsciente, do abstrato. A terceira margem é aquilo que não se vê, que não se toca, que não se conhece.

O pai, ao ir à procura da terceira margem do rio, busca o desconhecido dentro de si mesmo; o isolamento é a única maneira encontrada para procurar entender os mistérios da alma, o incompreensível da vida. A estranha história do homem que abandona sua família para viver em uma canoa e nunca mais sair dela é o argumento exemplar usado pelo autor para discorrer sobre o medo do desconhecido.

O rio sempre teve destaque na imaginação do autor:

[…] amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar a eternidade.
Guimarães Rosa

Um aspecto interessante a ser notado é que o narrador, quando criança, queria embarcar com o pai. Este o impediu. Adulto, intui o porquê da busca do pai e, chegando-se à margem do rio, diz que quer substituí-lo. É o único momento em que o velho se manifesta, indo em direção à margem. No entanto, o narrador fica com medo da imagem do pai, que parecia vir do outro mundo. Foge. Por isso, torna-se a única personagem fracassada, pois não foi capaz de transcender, de realizar seu salto.

Resumo do conto

A terceira margem do rio conta a história de um homem que evade de toda e qualquer convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do rio, lugar em que, dentro de uma canoa, rema “rio abaixo, rio a fora, rio a dentro”.

Por contradizer os padrões normais de comportamento, ele é tido como um desequilibrado.

O narrador-personagem é seu filho e relata todas as tentativa da família, parentes, vizinhos e conhecidos de estabelecer algum tipo de comunicação com o solitário remador. Contudo o pai recusa qualquer contato.

A família, inicialmente aturdida com a atitude inusitada do pai, vai-se acostumando com seu abandono. Com o tempo, mudam-se da fazenda onde residiam; a irmã casa-se e vai embora, levando a mãe; o irmão também muda-se para outra cidade. Somente o narrador permanece.

Sua vida torna-se reclusa e sem sentido, a não ser pelo desejo obstinado de entender os motivos da ausência do pai: “Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio-pondo perpétuo.”

Um dia, dirige-se ao rio, grita pelo pai e propõe tomar o seu lugar na canoa. Mediante a concordância dele, o filho foge, apavorado, desistindo da idéia: “E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão. (...) Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado.”

O narrador-personagem nos dá a conhecer um ser humano cujos ideais de vida divergem dos padrões aceitos como normais. Trata-se do pai do narrador, o qual com sua atitude obstinada, ao mesmo tempo, afronta e perturba seus familiares e conhecidos, que se vêem obrigados a questionar as razões de seu isolamento e alienação.

O único a persistir na busca de entendimento da opção do pai é o narrador, que não descuida dele e chega a desejar substituí-lo. A escolha do isolamento no rio instiga permanentemente o filho. Este é levado a questionar o próprio existir humano.

Pela ótica do filho

Desde quando avistei aquela canoa sendo construída, algo me apertou o coração.
Algo dentro de mim disse que o pai partiria. Sua ausencia, fez de meus dias uma
tristeza tamanha, mas sempre com a esperança de que um dia ele ia de voltar.
O pai nos abandonou. Tornei-me o homem que sou hoje com ajuda da vida. E agora
sou como ele, meu pai. Da maneira como ele se foi, eu também fui, seguir os passos
de meu pai era meu grande desejo. Só não era maior do que a vontade de reencontra-lo
em algum lugar para onde o rio o tenha levado. E as mesmas correntesas que o levaram
para longe de mim, me conduzam ao seu encontro.

Amanda Santana

Comentário (por vagda)

O texto é uma simbologia do pai, uma figura intacta. Que na verdade não quer nada com nada. Anda desligado de tudo, dos filhos, da esposa e até dos amigos. Fala o que não deve. E ouvi o que não quer. E ainda cria dentro de sua própria autonomia. Manda fazer uma canoa, o verdadeiro símbolo de sua fraqueza. Diz que é para conhecer um mundo que não conhece. Mas se depara com os erros de sua loucura. Horas homem comum amigo dos seus filhos, um pai carinhoso, um marido exemplar e um amigo dos amigos. Conhecido e respeitado em toda cidade. Outras um covarde. Um dos filhos interpreta a atitude de seu pai como um herói. Descreve cada detalhe com carinho e ao mesmo tempo tristeza. Não desejava esse abandono. A família aprende a conviver sem sua presença, os filhos cresceram, uns se casam e até netos lhe deram e onde ele estava? Perdido entre seus pensamentos.

Sob a ótica do pai

Filho não carece de ocê ficar me seguindo, tome seu rumo,faça como seus irmãos e sua mãe,que me deixaram seguir o rio na agonia dos meus pensamentos.
Já estou arrependido de ter manejado a canoa ao seu encontro ,não esperava que ocê fosse se assustar,só queria pedir pra ocê não depositar mais rapadura,broa de pão e os cachos de banana,porque o cheirinho da broa me atormenta, me alembra o aconchego de casa e deixa esse meu coração velho apertado e ele já está fraco e arrependido de ter deixado tudo prá trás.
Eu devia de ter feito uma canoa mais fraca, com pau inferior ao de vinhático prá que ela apodrecesse logo no vai-e-vem do rio, aí eu ia ter a desculpa de poder voltar, mas não, ela é forte como meu sofrimento, não se acaba nunca,as vezes,rezo prá ela emborcar quando vem a chuva,mas ela só sacoleja de um lado pro outro e não vira é teimosa como sua mãe.As vezes me ponho a pensar:será que todos já me esqueceram? Agora to vendo que ocê não, está atormentado sentindo minha falta filho.
Me alembro também edo dia que lhe botei à bênção eque ocê queria partir comigo, ainda bem que ocê ficou,aqui é só rio,de ponta a ponta grande como minha solidão.Quando chega o dia ,olho prá cima,só vejo céu,com a cabeça escorada na proa,quando olho prá baixo só vejo rio,rio,rio. Então pergunto: por que ocê haverá de tomar meu lugar na canoa filho? Se eu vi nos seus olhos o pavor de trocar de lugar comigo?Não pense que isso vai me chatear-não vai não,já estou acostumado com tudo que é ruim.
A primeira delas foi deixar ocês, a outra foi não abraçar meu neto naquele dia no rio e,agora é ver o quanto ocê se agonia prá querer tomar o meu lugar na canoa,mas lhe falta coragem,e é dessa coragem que eu precisava prá não me embrenhar nesse riozão,coragem de não ter saído de casa,mas é minha sina,manejar remo nágua até o desfalecimento.
Vou pedir prá Deus que assossegue esse seu coração atormentado filho, ocê não precisa de ter culpa de nada,o culpado de tudo sou eu nessa água que não pára nunca,como minhas lágrimas a rolar...sem fim.Volte prá casa filho.

Cloris Valente

MÚSICA: VOANDO SEM DESTINO

AUTORA: JUDITE TORRES GUIMARÃES

Minha águia voa longe,
Voa, voa sem parar,
Muito além do infinito,
Para os rumos do rio mar.
Rio que corre a canoa,
Canoa corre no rio,
Indo pra terceira margem,
Onde gente nunca viu.
Voa, voa minha águia,
Sobrevoa a canoa,
Veja o homem pensativo,
Sem saber o seu destino.
Onde vive navegando,
Navegando no rio mar,
Sempre dentro da canoa,
Rema, rema sem parar.
Voa, voa minha águia,
Entre as nuvens lá no céu,
Observa a canoa,
Feito barco de papel.
Vem voando minha águia,
Vem voando para o ninho,
Deixa isso, deixa agora,
Cada um tem seu destino.

MÚSICA: A CANOA


AUTORA: ANTONIA TORRES GUIMARÃES COSTESSEQUE
É na canoa nesse rio imenso,
E na canoa o velho vem e vai,
Vai navegando pelo rio adentro,
E ouve o vento a lhe sussurrar,
Vai navegando pela mata virgem,
A natureza vai lhe acompanhar,
E na canoa nas suas noites tristes,
Vem a lua pra lhe acalentar.
É na canoa nesse rio imenso,
E na canoa o velho vem e vai,
Vai procurando seu próprio destino,
Com sua canoa ele vai olhar,
E com a chuva a tocar seu rosto,
Vem o sol para lhe despertar.
Vai navegando longe dessa gente,
Vai navegando pro lado de lá,
Deixa sua gente, deixa seus amigos,
E pro seus filhos um beijo vai dar,
Pra sua mulher um olhar languido,
Pois na canoa é que ele vai ficar.
Os animais perguntam o que é isso,
O que esse homem faz neste lugar,
Ele que ir para a terceira margem,
Pois é onde resolveu morar.

O vento ao pai:

Ser musica é ser som e ser silêncio.

Silêncio é swing
Ruído é movimento.

Para ser uma parte de um todo inteiro; o perfeito lado de um oposto complementar, é preciso que sejas inteiro na parte que te cabe. Se não aprenderes por ti mesmo, só um semelhante para te guiar: Eu, vento.

Abandone os remos. Te deixes à deriva de meus sopros: ensinamento!


Para ser todo música, é preciso ser muito silêncio e bastante som.

É o silêncio que entra nos alvéolos – inspiração. Pra só depois expirar a energia que vibra - som.

É pelo silêncio que contemplas o universo inteirinho dentro do corpo.

Um tempo de solidão é uma dádiva. Dois tempos mais… Desgraça?

Mas, eis que diz o silêncio:
“buscai por mim, buscai por mim, mas jamais me encontrarás” – Já provara o velho Cage.

É mesmo o silêncio ausência de som?

Ausência de som é ausência de vida.

Silêncio pulsa.
Pulsa porque alimenta.
Alimenta porque vivifica.



Bendito seja o estar em silêncio!

Que sejas então, Senhor do não som!

Que suportes nada ouvir e nada pronunciar. Nem uma nota ferir, nem um solfejo sequer cantarolar. Que cerrem seus lábios e ouvidos até que aprendas a ser inteiro em ser só. (silêncio...)

E quem sabe, quando este tempo findar, serás então todo música? E toda música que manifestar de ti, não será somente aos ouvidos. Será para os olhos, para o tato, para o olfato, para as papilas gustativas. Música para os pés descalços, para o umbigo e para as entranhas. Para as pálpebras em movimento, para os dentes e cabelos. Música para toda a gente, alma.

Corpo inteiro.
por agora:
- Shhhh!...

Cibelle Jemima

Ótica do Pai (parte 2)

Aquele rio escuro cheio de mistérios e bichos me chamou para junto dele, e mergulhei naquele verde, naquela imensidão, naquela margem, o som dos pássaros me conformava e a brisa do vento me acalmava .Era uma sensação tão boa que nunca tinha sentido, então continue remando, remando, remando sem destino, rumo a terceira margem que tanto me suportava.Tudo era tão novo a sensação era muito gostosa que nem lembrava mais da minha família.Parei de remar e fiquei observando o barulho inquietante daquele rio que me adorava e aceitava.Era o paraíso.Então mergulhei naquela água fria e ao mesmo tempo quente que tanto me chamava era tão bom sentir o rio, que nem penso em volta para minha família.

Felippe Rodrigues Batista

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ótica de vizinho que veio do nordeste

"Olí, meu povo, eu vô contá o que acunteceu cum uma família alí perto du riu.
Um homi dexô a mulé e us fíu e foi se imbora numa canoa. Cumu é qui pode?
eu ja vi di tudo nessa vida, mas esse homi aí é mucho loco! Ele dexô a mulé
que é um pitéu e se debando pra num sei donde numa canoa véia. Se ainda
fosse nun iati, eu ainda digo, mas numa canoa?! Será que a mulé dele num
num tinha os dente e tala loco pra ir embora? Mas ói, coitado dus fíu dele!
Tão tudo doidinho, doidinho!!! Todo Santo dia dexu cumida na bera du riu,
será que eles num sabi que iemanjá é nu mar e nao nu rio???
E a irmã dele, qui levó o mininu dela, dexó o bichiu no sol quente da peste
e fico gritando pelo pai!! Ô povo doidio!!! Mas o mais ingraçado foi quando o
fiu mais homi disse que tinha visto o fantasma du pai e se cagó todinho!
Gente, eu tenho aqui com a minha bestera, que esse homi, saiu daqui ás
pressa numa canoa véia por que foi ele qui ganhó nessa mega sena e de
doidiu ele não tem nada!!!"

Verena Vieira

Ótica do pai


Cansado já estava decidir sair da minha casa, e abandona minha família, não agüentava mais aquela mesmice.Então mandei fazer uma canoa bem resistente para durar pelo menos três décadas, para pensar e viver minha vida solitariamente.Não quero levar nada porque não quero ter lembranças.
Remei, remei, remei e acenei, fiu embora para nunca mais voltar, a margem que me espere porque ela que vai ser a minha família, estava passando por momentos dificies que nem se explicar, era então um problema meu e do rio.


Felippe Batista



Ótica da estrela

Nascer de novo...
Buscar algo que não se vê...
Encontra com o nada...
Viver sem nada...
Amar sem fronteiras...
Pobre homem que nada sabia...
Nem mesmo o que dizia...
Pobre familia!
Sem amor, sem nome...
Pobre cidade...
Amiga floresta...
De céus em cores
Virtudes em nomes...
Doces sabores...
Rema pobre coitado...
Sou eu a ti guiar, nas noites frias sem luar...
Me pede que eu te guarde...
Que eu te proteja...
Que te gui!
Que te leve de volta...
Triste a remar...
Pobre homem...
Sem dor,sem nome!!!
Apenas um homem....

Por Vagda Santana em 20 de abril de 2010. Baseado na obra de Guimarães Rosa, A Terceira Margem do rio.

Ótica do pai


A vida aqui segue andando pacata, ordeiro, igual...  E eu como as outras pessoas desse lugar, acompanho o ritmo dessa vida.
Consideram-me um homem cumpridor dos deveres, ordeiro e quieto e é dessa maneira que minha família me enxerga, por fora é de fato  assim que sou. Estaria tudo certo e normal se por fora se combinasse, fosse igual por dentro, mas não é o que acontece.
                Por dentro, porque tanta insatisfação, tantos questionamentos e esse turbilhão de sensações e aflições, essa eterna agonia?  Inquietude... Pasmaceira.
Cheguei à conclusão, observando-o por minha vida toda, que sou como ele -o rio - quieto, ordeiro, silencioso... Mas basta ser provocado, por um rajado de vento que seja pra ele se rebelar e quando por uma tempestade então..., para que se conheça a sua força, a sua fúria, a sua grandeza, aí ele se mostra gigantesco, poderoso, como realmente é a sua natureza.
O que verdadeiramente existe nas suas profundezas e da sua misteriosa existência, ninguém seguramente sabe.
Continuo sonhando constantemente com o rio, confundo a minha realidade com o sonho do rio. Eu sou eu, eu sou o rio, o rio sou eu...
Agora sim... nesta minúscula canoa, eu me completo com o rio e o rio se confunde comigo, estou calmo, ordeiro, quieto em paz com a minha natureza... Eu sou a terceira margem do rio.

SELMA MARIA SANTOS BRANDÃO

Ótica do neto

[Escrevi o conto na visão do neto. Escrevendo um carta pro tio que foi morar na cidade]

Tio,
O senhor sabe que quando eu cheguei, ele já tinha partido, tudo que eu sei foi porque minha mãe me contou. Lá no vilarejo fiquei conhecido como Simba, depois descobri o porque, foi quando em cima de uma pedra e sob a sombra de um guarda-sol fui erguido diante do rio. Queria ter conhecido meu avô, homem honesto, amigo de todos, queria ter conhecido, principalmente, pra saber porque ele foi embora, cada um diz uma coisa diferente, mas só ele poderia me contar o verdadeiro motivo que o fez partir, quem sabe eu não partisse junto com ele.
Faz tempo que não vou para a margem do rio, vovó não gosta, ela diz que não é bom ficar lembrando dos que já partiram, mas eu sei que ela ficaria plantada na margem se pudesse, ela não se juntou com mais ninguém, e de noite quando finjo dormir, percebo nos olhos cheios d’água dela um brilho de esperança, de que ele amanhã estará batendo na porta. Mas como seria possível? Ele nem mesmo sabe onde moramos, meu tio continuava lá sozinho, fazia tempo que não escrevia uma carta pra gente. Na ultima, ele disse que o vovô acenou pra ele, mas com medo, saiu correndo.
Em alguns dias vou pra lá, vou passar um tempo com meu tio - escolha minha - mamãe não gostou, mas entendeu, ele precisa de alguém lá, não tem mais vida, a vida dele é a vida do pai, e se é pelo meu avô, partia hoje se eu pudesse.
O titio está acabado, nem o reconheci quando cheguei, a casa quase não era mais casa, a madeira dava de comer aos cupins. Dia e noite, sol e chuva, seu irmão não sai da margem do rio, se eu não levar o que comer, ele não vem buscar.
Mesmo depois de tantas e tantas luas, o vovô ainda é comentado pela cidade. Me contaram que toda lua cheia os mais chegados se reúnem na margem do rio e rezam. Eu mesmo, já presenciei algumas vezes, uns pedem milagres, outros agradecem o que conseguiram. Confesso que não entendo, meu avô virou Santo? Entidade? Deus? Porque ele não continuou sendo apenas meu avô, e ficado por aqui?
O titio não anda muito normal, um dia desses tive a impressão de que ele tava conversando com uma pedra. Peixe nem comemos mais, ele disse que qualquer coisa que vem do rio pode ser um pedaço do vovô, e que ele vai sentir dor. Sei que não teria como isso acontecer, mas obedeci. O problema é que o almoço demora mais pra sair, porque caçar na floresta não é fácil.
A vovó reclamava que o senhor não deu mais noticias desde que foi embora, mas vi aqui algumas cartas do senhor, acho que o senhor não sabe, mas a vovó foi morar com a mamãe, por isso ela não recebia suas cartas, mas vou mandar pra ela todas que o senhor mandou pra cá, ela ficará feliz, ela vivia choramingando com a mamãe por não ter noticias suas. Falava: “Já perdi meu homem, um filho não quis vim comigo, e agora, o outro esquece que tem mãe! Só você mesmo pra lembrar de mim.”
O senhor agora tem uma sobrinha também, mamãe deu a luz um mês atrás. A casa era só alegria. Ainda mais quando deram o nome dela à neta. Só assim vi um sorriso no rosto da vovó depois de tanto tempo.
Assim que acontecerem novas coisas, eu escrevo pro senhor. Se cuide por ai.

Sobrinho.

(Autor: Diogo Favacho Arero)

Ótica do Pai

E fez-se mar. Ou melhor, fiz-me rio. Fiz-me rio para nunca morrer, porque rio não morre. Quando ele deságua no mar, ele continua sendo rio. Mar, rio, água, transparência, calmaria e loucura. Fiz-me rio para fugir de mim mesmo. Das minhas angústias, pequenezes e monstros. Para desmilinguir-me entre as suas claras águas. Para esquecer do passado.
E porque tão próximo de casa? Porque rio também ama e sente saudades. Quero, quando sou rio, molhar devagar os pés daqueles que amo e tive de deixar. Quero cochichar algo em seus ouvidos, dizer que estou bem, que estou onde eu sempre quis estar.
O amor que tenho pelo rio é tão imenso que não me contentava somente em tê-lo, queria sê-lo. Nunca tive a curiosidade de saber o que tinha na outra margem, o que de verdade sempre quis, foi ser margem. A terceira margem do rio e ali viver para nunca mais morrer.

Thainá Oliveira.
Por muito tempo minha mãe sofreu com a solidão. Todas as vezes que escutava o canto dos pássaros, o barulho do rio descendo a montanha em queda livre formando um lindo véu de noiva. Chegava a se emocionar! Partia o coração ao vê o silêncio da sua dor. Por muito, anos acompanhei seu sofrimento, não só pelo abandono do meu pai, mais pelas palavras das línguas maldosas daquele lugar, típico do interior.

Mas foi naquela tarde, uma tarde diferente de todas que já vi. Chovia! Mais não como aquela que estamos acostumados, com raios, trovão e alagamento. Não! Era uma chuva silenciosa, calma, fria, cautelosa. Cheguei a senti a ansiedade nos olhos de minha mãe ao escutar a melodia triste de um sabiá que temia em está ali nas árvores do jardim. O seu canto era como um chamado. Minha mãe passou a segui o seu canto, chovia muito. Ela não usara nem o guarda chuva, nem uma capa para se proteger, apenas quis segui o seu coração que voltava a bater forte. Ouve momentos em que o sabiá se aproximava, indicando-lhe o caminho a ser seguido, o mais engraçado é que ela entendia tudo, cada gesto daquele pequeno pássaro. Eu a seguia me escondendo por entre as arvores e moitas de mato que encontrava pelo caminho. Até chegamos as margens do rio.

O pássaro pousara em seu ombro esquerdo e um canto meloso fez, saí lágrimas de seus belos olhos. Como se falasse com ela. Eu nada entendia. A chuva era mais suave que seu canto, o rio enchera de borboletas brancas, azuis, amarelas, verdes, de todas as cores e formava um lindo balé, a melodia daquela canção. Uma nuvem branca, mais leve que um algodão cobria o rio. Um lindo espetáculo da natureza! Minha mãe não me via, pois, eu estava escondido por entre os arbustos próximo do rio.

Fazia muito frio, estávamos encharcados! Quando surge por entre as águas mansas do rio, aquele homem de barba branca, roupas surradas, chapéu de palha e uma capa de couro velho. Suas mãos remavam tranquilamente, levando a canoa até as margens do rio. Qual não foi o meu espanto ao reconhecer que aquele homem era o meu velho e amado pai. Ele já não era o mesmo! Senti uma vontade louca de vê-lo de perto, abraça- lo, e dizer a ele o quanto eu o amava. Mais era a minha mãe que ele chamava! Seus olhos cruzaram aos dela, como se os orixás, guinômos, fadas, e todos os deuses da floresta os uni-se em um só coração.

Ele desceu da canoa, suas botas já não eram as mesmas. Minha mãe não sabia se odiava ou se o abrasava. Ele tocou seu rosto, ela apenas o encarava, caia de seus olhos lágrimas de emoção, mágoa, abandono. Eles apenas se olharam, um olhar profundo cheio de duvidas, perguntas e respostas que nunca vieram.

_Por que, demorou tanto? – Foram as únicas palavras de minha mãe. Eles se abraçaram e o resto vocês já até imaginam. Foi mágico, romântico. Até que ele subiu na canoa e num gesto de adeus partiu e nunca mais voltou.

A chuva havia passado, uma brisa suave nos confortava. Corri abracei minha mãe. As borboletas sobrevoavam sobre o rio, os pássaros em silêncio ficaram e toda floresta se calou ao canto do irapurú. Vi meu pai desaparecer nas águas do rio. Compreendi naquele dia que a vida é cheia de surpresas e que o amor é algo tão simples, tão delicado que poucos são privilegiado, com tal sentimento.

Voltamos para casa, não lhe perguntei nada, apenas respeitei sua dor. Agora meu pai se tornara uma lenda, um mito, um homem que se perdeu nas margens do rio...

Por Vagda Santana, em 15 de abril de 2010, baseado na obra de Guimarães Rosa, A terceira Margem do Rio.

Sob a ótica da mulher

Ela é uma mulher forte, que vive a perda e o abandono do marido, mesmo sentindo sua ausência, precisa continuar vivendo, por si e pelos filhos. Mas o peso da responsabilidade é grande, em determinado momento não pode manter a fazenda sozinha, pede ajuda ao seu irmão. Manda trazer também, professores para os filhos, a fim de dar-lhes melhor educação. Ela ver o filho pegar comida e roupas, que leva para o pai, finge que não vê, deixa passar.
Faz de tudo para ele voltar, mandou chamar o padre e soldado, até jornalista apareceu no local, mas de nada adiantou, pois ele não deixava ninguém se aproximar. Continuava a margem do rio, nem o nascimento do neto o comoveu. Ela olhava aquele homem, melancólico e inerte sempre no mesmo lugar, na canoa a margem do rio. É muito difícil entender, porque mesmo ele ausente, ela continuava sentindo a presença dele, a margem do rio.

Antonia Torres Guimarães Costeseque
Belém, 07 de Abril de 2010

Simbolismo

A exemplo do realismo, tem seu auge durante a segunda metade do século XIX. Além de rejeitarem os excessos românticos, os simbolistas negam também a reprodução fotográfica dos realistas. Preferem retratar o mundo de modo subjetivo, sugerindo mais do que descrevendo. Para eles, motivações, conflitos, caracterização psicológica e coerência na progressão dramática têm importância relativa.
Autores simbolistas
Os personagens do Pelleas e Melisande, do belga Maurice Maeterlinck, por exemplo, são mais a materialização de idéias abstratas do que seres humanos reais. Escritores como Ibsen, Strindberg, Hauptmann e Yeats, que começam como realistas, evoluem, no fim da carreira, para o simbolismo. Além deles, destacam-se o italiano Gabriele d'Annunzio (A filha de Iorio), o austríaco Hugo von Hofmannsthal (A torre) e o russo Leonid Andreiev (A vida humana).
Auguste Strindberg (1849-1912) nasce em Estocolmo, Suécia, e é educado de maneira puritana. Sua vida pessoal é atormentada. Divorcia-se três vezes e convive com freqüentes crises de esquizofrenia. Strindberg mostra em suas peças - como O pai ou A defesa de um louco - um grande antagonismo em relação às mulheres. Em Para Damasco cria uma obra expressionista que vai influenciar diversos dramaturgos alemães.
Espaço cênico simbolista
Os alemães Erwin Piscator e Max Reinhardt e o francês Aurélien Lugné-Poe recorrem ao palco giratório ou desmembrado em vários níveis, à projeção de slides e títulos explicativos, à utilização de rampas laterais para ampliar a cena ou de plataformas colocadas no meio da platéia. O britânico Edward Gordon Craig revoluciona a iluminação usando, pela primeira vez, a luz elétrica; e o suíço Adolphe Appia reforma o espaço cênico criando cenários monumentais e estilizados.
Fonte: www.teatrosdecultura.com
Teatro Simbolista
Nas histórias do movimento simbolista não se deu muita atenção ao teatro que se originou dele. Embora existam vários estudos, todos eles abordam o tema do ponto de vista do desenvolvimento teatral em vez do poético, e dentro de limites nacionais em lugar da vantajosa perspectiva não-nacionalista.
Foi a estrutura dramática um dos sucessos mais verdadeiros e duradouros que o movimento simbolista criou para a poesia, estrutura que ia além do verso esotérico e íntimo.
As mutações que o simbolismo realizou na escritura do verso nada são, com efeito, quando comparadas aos assaltos feitos à forma dramática. Todavia, o irônico é que não foi a vais das platéias nem a zombaria dos jornalistas, mas os comentários eruditos e lógicos dos especialistas de teatro, que tentaram censurar e por fim demolir o teatro simbolista.
Dois são os maiores defeitos do teatro simbolista:
Nenhuma caracterização e nenhuma oportunidade de interpretaçãoFalta de crise ou conflito (A morta resolve tudo independentemente de nós)
Este tipo de teatro não continha ideologia (Coisa muito comum agora mas naquele momento histórico isso representava uma falha enorme.
Do ponto de vista poético, o teatro simbolista é freqüentemente mais bem sucedido onde o verso não consegue realizar os objetivos simbolistas. A ambigüidade do discurso pode ser representada mediante uma relação equívoca entre as personagens e os objetos que as cercam, no teatro simbolista nenhum objeto é decorativo; ele está ali para exteriorizar uma visão, sublinhar um efeito, desempenhar um papel na subcorrente de acontecimentos imprevisíveis.
Contudo, um teatro do simbolismo se desenvolveu, não diretamente de Mallarmé, mas do seu entourage simbolista, que corpificou seu sonho da projeção verbal e visual e exteriorização dos ingredientes que constituem o poder da música; comunicação não racional, excitação da imaginação e condução à visão subjetiva.
Strindberg, Ibsen, Tolstói e Shakespeare contrastavam flagrantemente com a cena teatral local do teatro naturalista. Lugné-Poe reconheceu a necessidade de um novo conceito de teatro e preparou o terreno para o teatro simbolista ao acostumar suas audiências a um teatro santuário, mais um lugar para meditação do que para predicação.
L’ Intrusa é uma preciosidade do teatro simbolista, completamente clara e perfeita quando julgada segundo os padrões simbolistas. O tema é abstrato: a própria morte. Toda encenação é verdadeiramente simbolista, sem qualquer localização especifica ou materialização da idéia. O que se simboliza é a ausência e a passagem dela através de um décor e entre as pessoas que estão nele, e todas reagem à passagem não como entidades separadas mas como uma unidade sinfônica, modulando-se entre si, repetindo-se em sua fala e movimento a uma simples harmonia, em vez de a qualquer conflito pessoal ou particular.
A maior contribuição de Maetelinck ao teatro simbolista foi Pelléas et Mélisande. Também neste caso, o tema, o enredo e as personagens são estereotipadas e sem originalidade. A peça trata do eterno triângulo: dois irmãos amam a mesma mulher que está casada com um deles.
A peça começa com um encontro casual do herói com a heroína e termina com a natural, embora prematura, morte desta. As personagem não tem nenhum controle sobre qualquer acontecimento, tampouco a tragédia resulta do fracasso das paixões humanas ou da vingança dos deuses.
No simbolismo - como na filosofia de Schopenhauer, com a qual tem grande afinidade -, são mais uma vez as forças exteriores que escapam ao controle da vontade do homem e o colocam entre a vida e a morte, dois pólos da origem misteriosa, inexplicáveis para ele e controlados pelo acaso. Também o tempo é um elemento que está além do controle humano. O caráter determinista e não providenciais das forças exteriores retira do homem a noção de propósito, objetivo e vontade, o significado de qualquer "coup de dés" que se queria tentar. Tanto o simbolismo quanto o naturalismo são, neste sentido, materialistas.
Os incessantes esforços feitos por diretores e cenógrafos inventivos, capazes de criar efeitos técnicos de iluminação e decoração afinados ao estado de espírito das peças, têm feito com que estas sejam representadas de vez em quando como manifestações de um "Teatro de arte". A este respeito, o teatro simbolista tem recebido uma importante ajuda por parte dos avançados processos fotográficos, que podem expressar no cinema as ilusões difíceis de se conseguir no palco.
Anna Balakian





Simbolismo
A partir de 1881, na França, poetas, pintores,dramaturgos e escritores em geral, influenciados pelo misticismo advindo do grande intercâmbio com as artes, pensamento e religiões orientais - procuram refletir em suas produções a atmosfera presente nas viagens a que se dedicavam.
Marcadamente individualista e místico, foi com desdém apelidado de "decadentismo" - clara alusão à decadência dos valores estéticos então vigentes e a uma certa afetação que neles deixava a sua marca. Em1886 um manifesto traz a denominação que viria marcar definitivamente os adeptos desta corrente: simbolismo.
Principais características
Subjetivismo
Os simbolistas terão maior interesse pelo particular e individual do que pela visão mais geral. A visão objetiva da realidade não desperta mais interesse, e sim está focalizada sob o ponto de vista de um único indivíduo. Dessa forma, é uma poesia que se opõe à poética parnasiana e se reaproxima da estética romântica, porém mais do que voltar-se para o coração, os simbolistas procuram o mais profundo do "eu", buscam o inconsciente, o sonho.
Musicalidade
A musicalidade é uma das características mais destacadas da estética simbolista, segundo o ensinamento de um dos mestres do simbolismo francês, Paul Verlaine, que em seu poema "Art Poétique", afirma: "De la musique avant toute chose..." (" A música acima de tudo...") Para conseguir aproximação da poesia com a música, os simbolistas lançaram mão de alguns recursos, como por exemplo a aliteração, que consiste na repetição sistemática de um mesmo fonema consonantal, e a assonância, caracterizada pela repetição de fonemas vocálicos.
Transcendentalismo
Um dos princípios básicos dos simbolistas era sugerir através das palavras sem nomear objetivamente os elementos da realidade. Ênfase no imaginário e na fantasia. Para interpretar a realidade, os simbolistas se valem da intuição e não da razão ou da lógica. Preferem o vago, o indefinido ou impreciso. O fato de preferirem as palavras névoa, neblina, e palavras do genêro, transmite a idéia de uma Obsessão pelo branco (uma característica não tão importante do simbolismo) como podemos observar no poema de Cruz e Sousa:
"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras..." [...]
Dado esse poema de Cruz e Sousa, percebe-se claramente uma obsessão pelo branco, sendo relatado com grande constância no simbolismo.
Literatura do simbolismo
Os temas são místicos, espirituais, ocultos. Abusa-se da sinestesia, sensação produzida pela interpenetração de órgãos sensoriais: "cheiro doce" ou "grito vermelho", das aliterações (repetição de letras ou sílabas numa mesma oração: "Na messe que estremece") e das assonâncias, repetição fônica das vogais: repetição da vogal "e" no mesmo exemplo de aliteração, tornando os textos poéticos simbolistas profundamente musicais.
O Simbolismo em Portugal liga-se às atividades das revistas Os Insubmissos e Boêmia Nova, fundadas por estudantes de Coimbra, entre eles Eugênio de Castro, que ao publicar um volume de versos intitulado Oaristos, instaurou essa nova estética em Portugal. Contudo, o consolidador estará, a esse tempo, residindo verdadeiramente no Oriente - trata-se do poeta Camilo Pessanha, venerado pelos jovens poetas que irão constituir a chamada Geração Orpheu.O movimento simbolista durou aproximadamente até 1915, altura em que se iniciou o Modernismo.
Escritores simbolistas
Pode-se dizer que o precursor do movimento, na França, foi o poeta francês Charles Baudelaire com "As Flores do Mal", ainda em 1857.
Mas só em 1881 a nova manifestação é rotulada, com o nome decadentismo, substituído por Simbolismo em manifesto publicado em 1886. Espalhando-se pela Europa, é na França, porém, que tem seus expoentes, como Paul Verlaine, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé.
Portugal
Os nomes de maior destaque no Simbolismo português são: Camilo Pessanha, António Nobre, e Eugénio de Castro.
Brasil
No Brasil, dois grandes poetas destacaram-se dentro do movimento simbolista: Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. No primeiro, a angústia de sua condição, reflete-se no comentário de Manuel Bandeira do Basil: "Não há gritos mais dilacerantes, suspiros mais profundos do que os seus".

A Terceira Margem do Rio - Análise sob a luz da psicanálise

A história é centrada em três personagens: o pai, o filho e a mãe.
No início o autor descreve a personalidade do pai, que podemos
identificar como Significante, possuidor de características que vão se
definir com as funções acumuladas da figura do pai simbólico.
O pai era "homem cumpridor, ordeiro e positivo".
Em seguida ele fala sobre a mãe e pode-se notar que ela detém uma das
funções do pai, era ela quem impunha a ordem e a disciplina aos filhos,
nas coisas de casa e na vida cotidiana.
Um dia o pai resolveu mandar construir para si uma canoa, com
características de um objeto duradouro, dando a impressão de que ele
iria usar durante muito tempo.
A idéia da construção da canoa ameaça no pensamento da mãe as funções
do pai de família e com as coisas da casa, enveredando pelo caminho da
falta de cuidado com essas coisas através da pescaria e ou da caçada.
Mais adiante, ao contrário do que ela poderia imaginar, o pai está
cumprindo sua função, está assumindo a sua posição de pai símbolo, de
forma extremamente exagerada, afastando-se de tudo que não pertence ao
símbolo.
Quando a canoa ficou pronta, o pai despediu-se, não fez recomendações
nem mala, dando a impressão de que iria para longe. A mãe não impediu,
nem reclamou, ao contrário, foi condescendente. Ela não estava pronta,
preparada para se por em conflito, ela sacrifica sua própria opinião
para não ter que se expor como o próprio texto diz: "nossa mãe muito não se demonstrava..."
O pai chama o filho, que mesmo com medo da mãe, obedientemente o
segue. A figura do pai é muito forte, o filho admirava suas atitudes
mesmo sem compreender, e até deseja ir com ele.
O pai não voltou nem foi para longe, tinha ido embora, mas permanecia
ali perto. Começando a mostrar gradativamente que está em seu estado de
suspensão entre o consciente e inconsciente. Discurso do analista.
A atitude absurda do pai começa a surtir efeito nas pessoas ao redor,
os parentes que nunca haviam se reunido antes, se reuniram para
discutir a respeito da lacuna deixada por aquele homem.
Diante da prudência e da sensatez que a mãe apresentava a família e os
vizinhos não encontrando motivo que justificasse a atitude do pai, só
conseguiram imaginar que estivesse louco. Outros tentaram encontrar uma
possibilidade que tivesse ligada a uma doença ou algum pagamento de
promessa.
O pai que se aproxima do mito ou que está começando a se tornar uma
figura mítica, nele a psicanálise reconhece que obedece a uma exigência
interna relativa a realidade psique do desejo.
O filho passa a alimentar o pai acabando com a possibilidade de desistência por falta de comida.
A mãe sabia e consentia, até ajudava, mas não se expondo. A mãe só agia
por meios "laterais", chamando o tio, o professor para as crianças, o
padre... Pessoas que podiam compensar a ausência do pai. Se percebe a
alienação da mãe porquanto vive em função da família.
Quando o pai se afasta, o único a expressar a dor e a ausência dele é o
filho quando diz que só se entendia com o pai, enquanto os outros
procuravam não pensar nisso, aceitando a falta do pai como uma coisa
dolorosa, mas que cabia na vida do dia-a-dia.
O pai, que possui o discurso do analista, na sua "loucura", causa
histeria em toda a família. O silêncio, de um lado, corresponde ao
silêncio da família.
Mais tarde, quando a irmã se casa, a mãe não faz festa. Se ela bloqueia
a sua falta de um lado, também não quer chamar atenção para ela, já que
bloqueou o desejo e sufocou o impulso de ir buscar o marido.

O filho expressa o modelo que o pai era para ele: "Foi pai que um dia me ensinou assim...". Discurso do universitário.
A família vai embora, cada um seguindo o seu caminho, mas o filho fica,
persistindo em sua busca, sem mesmo saber ao certo o que buscar. Quando
quis ir atrás da verdade, sem esperar pelo pai, e teve a idéia de fazer
assim, descobriu que o homem que havia construído a canoa estava morto,
ficando a última possibilidade de saber, sem ter que entrar em contato
com o pai, fora de alcance.
Os questionamentos internos do filho ficam cada vez mais fortes.
Questionando a imaginação das pessoas ao redor, que imaginaram que o
pai fosse o avisado tal qual Noé e que a canoa fosse o equivalente a
arca. Assim temendo o fim-do-mundo e o pai se equiparando ao mito
enquanto se misturava ao próprio rio. Constante em sua presença,
constante em sua ausência.
O filho sentia culpa e pena, tornara-se obsessivo, esperava que a
descoberta da verdade substituísse a sua falta, mas não via a si mesmo.
Enquanto torturado pelo sentimento de culpa, questionava sua própria
loucura, mas como ele disse, a palavra louco em sua casa não se usava.
Todos eram loucos ou ninguém era, aparecendo assim a idéia, em que se
baseiam os padrões da psicanálise, de que o indivíduo que possuiu a
patologia, acaba por fazer os outros perceberem os elementos anormais
que existem em todas as pessoas, quebrando o conceito de anormalidade
dessas pessoas, mas num grau menor que no indivíduo que possui a
patologia.
O filho acaba por descartar a possibilidade de sua própria loucura e
vai ao encontro do pai e propõem que troquem de lugar. Sente que agiu
de forma correta e que seu coração se confortava com essa atitude.
Porém o filho, que sentia culpa e medo, não estava pronto para aquele
encontro, achando que tinha a obrigação de salvar o pai, mas não teve
coragem ao ver diante de si aquilo que por tanto tempo havia esperado,
sem ao certo saber porque apavorou-se, voltou atrás, e fugiu, deixando
para trás a possibilidade de compreensão. Acaba por se frustrar e por
fim recorre ao símbolo como esperança de libertação, que seja no tempo
de sua morte, dizendo que quando morresse, seu corpo fosse depositado
numa canoa, no meio do rio. Talvez para ter o mesmo destino do pai,
para se juntar a ele ou como forma de autopunição.
O filho que esperava que a descoberta da verdade que aparece com seu saber, que é o Significado, pudesse substituir a sua falta.
Pai e filho são imagem invertida no espelho, discursos opostos, o pai a
ponto de trocar de lugar com o filho, mas o filho não estando pronto
para isso.
Viagem que vai do mínimo ao máximo, na aventura em busca do infinito e,
ao mesmo tempo, na viagem da circularidade temporal em que a obra se
desenvolve, na união possível desses extremos que se tocam-se simboliza
o infinito.
______
- BAGGIO, Angela M Brasil. Psicologia do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1983.
- FREUD, Sigmund. Freud. Documentos, 1969.
- MAGNO, Machado Dias. Rosa Rosae.
- ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

sábado, 10 de abril de 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O Conto sob a ótica do filho

Meu pai homem prosaico, igual a todos, cumpridor dos deveres, obediente as leis, um pacato cidadão que um dia encomendou uma singular canoinha e saiu a remar pelo rio rompendo uma ordem, uma santa trindade: a sagrada família. Estabelecendo outra: ele, a canoa e o rio, para ir em busca da sua bem aventurança fazendo grande sacrifício.

O pai é um herói? Alguém que da a vida por algo maior que ele mesmo? Sentiu faltar algo entre as experiências permitidas aos membros de nossa sociedade?

Assim partiu numa aventura que ultrapassa o usual, para então retornar com uma nova mensagem, as boas novas que nos levaram ao outro nível de existência?

Será ele um Cristo expiando alguma falta nossa, sendo assim a canoa a sua cruz? Jonas indo para beira do rio e deixando-se engolir pela sua baleia/ canoa para depois ressurgir rumo a uma nova vida?

Talvez Buda recolhendo-se em isolamento na sua canoa feita da arvore “bo”, a arvore da vida e do conhecimento imortal para receber sua iluminação? Ou Noé, Ulisses, a Cobra Norato, Miguel dos Santos Prazeres, Carontes, Osíris?

Tantas possibilidades tantas duvidas e nenhuma resposta, porem não são as certezas que nos fazem ter fé e continuar a viver, são as inquietações de nossas almas, os grandes mistérios, o não saber. Tornei-me sacerdote de meu pai velando todos os dias sua silueta sombria do leito do rio, levando-lhe comida e conservando sua memória.

Criei uma nova religião, uma religação, uma nova trindade: o rio, meu pai e eu. Porem também sou filho do meu tempo, desejei que a grande revelação me fosse dada de graça nesse sistema de religião fácil, igual a qualquer fiel que vai a igreja e senta no banco esperando escutar os sagrados mistérios todos bem explicadinhos . Sim, eu também esperava que meu pai viesse ate a margem do rio e me contasse suas motivações, para poder entender as minhas e o meu destino.

Contudo isso é uma busca individual, ninguém vai nos dizer o que fazer de nossas vidas ou o que diabos é a terceira margem, isso é algo que se descobre sozinho.

Compreendi o meu destino minha bem aventurança bem mais tarde, só na velhice que era tomar o seu lugar, mas quando esse momento chegou, eu temi. Por que eu fugi? Por que eu o trai? Não consegui pagar o preço. Sou o único assim? Ainda há salvação para mim?

Fabrício de Souzsa

terça-feira, 6 de abril de 2010

O Conto, sob a ótica do Padre

Aquele homem? Sim, é verdade. Aconteceu, de fato. Eu estava ali, presenciei tudo. O que aconteceu com ele? Ninguém nunca soube... Tentei salvá-lo de alguma forma, fazê-lo regredir daquela decisão sem sentido. Tentei. Tentei, de toda força, fazer com que aquele homem ouvisse a palavra do verdadeiro Pai. Mas não havia nada que pudesse fazê-lo regressar. Ele devia estar coberto por escamas espirituais. Cego! Até hoje, não consigo compreender. Aliás, prefiro sequer lembrar. Foi de fato lamentável.

Personagens que identifiquei

Pai;
Filho;
Mãe;
Irmã;
Marido da irmã;
Filho da irmã;
Irmão;
Parentes, vizinhos, conhecidos;
Tio;
Mestre;
Padre;
Jornalistas;
Soldados;
Homem que aprontou a canoa;
Rio, canoa, água, tempo, e o que mais a imaginação permitir.

Alguém tem alguma outra sugestão?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

O Conto


A Terceira Margem do Rio
Guimarães Rosa

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.


Texto extraído do livro "Primeiras Estórias".



[…] amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar a eternidade.
Guimarães Rosa