domingo, 9 de maio de 2010

Sob a ótica do pai

Filho não carece de ocê ficar me seguindo, tome seu rumo,faça como seus irmãos e sua mãe,que me deixaram seguir o rio na agonia dos meus pensamentos.
Já estou arrependido de ter manejado a canoa ao seu encontro ,não esperava que ocê fosse se assustar,só queria pedir pra ocê não depositar mais rapadura,broa de pão e os cachos de banana,porque o cheirinho da broa me atormenta, me alembra o aconchego de casa e deixa esse meu coração velho apertado e ele já está fraco e arrependido de ter deixado tudo prá trás.
Eu devia de ter feito uma canoa mais fraca, com pau inferior ao de vinhático prá que ela apodrecesse logo no vai-e-vem do rio, aí eu ia ter a desculpa de poder voltar, mas não, ela é forte como meu sofrimento, não se acaba nunca,as vezes,rezo prá ela emborcar quando vem a chuva,mas ela só sacoleja de um lado pro outro e não vira é teimosa como sua mãe.As vezes me ponho a pensar:será que todos já me esqueceram? Agora to vendo que ocê não, está atormentado sentindo minha falta filho.
Me alembro também edo dia que lhe botei à bênção eque ocê queria partir comigo, ainda bem que ocê ficou,aqui é só rio,de ponta a ponta grande como minha solidão.Quando chega o dia ,olho prá cima,só vejo céu,com a cabeça escorada na proa,quando olho prá baixo só vejo rio,rio,rio. Então pergunto: por que ocê haverá de tomar meu lugar na canoa filho? Se eu vi nos seus olhos o pavor de trocar de lugar comigo?Não pense que isso vai me chatear-não vai não,já estou acostumado com tudo que é ruim.
A primeira delas foi deixar ocês, a outra foi não abraçar meu neto naquele dia no rio e,agora é ver o quanto ocê se agonia prá querer tomar o meu lugar na canoa,mas lhe falta coragem,e é dessa coragem que eu precisava prá não me embrenhar nesse riozão,coragem de não ter saído de casa,mas é minha sina,manejar remo nágua até o desfalecimento.
Vou pedir prá Deus que assossegue esse seu coração atormentado filho, ocê não precisa de ter culpa de nada,o culpado de tudo sou eu nessa água que não pára nunca,como minhas lágrimas a rolar...sem fim.Volte prá casa filho.

Cloris Valente

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