domingo, 9 de maio de 2010

Ótica do pai

POEMA 1:
Gotas espalhadas pelo meu corpo
Calada, a companhia das águas do imenso mar
As profundezas das lembranças
Lavam os espaços perdidos entre minhas mãos
Que seguram os reflexos de um velho espelho
Refletindo meu ser despedaçado posto a se configurar

O rio do mundo com olhos cúmplices
Avisa o redemoinho na esquina navegada
Pedindo força nos braços hora calejados
Que dita num som distante
Que não se pode ter medo do mar
Posto que ele sou eu pronta a navegar.

POEMA 2:
Imenso mar
Que espelha o profundo das coisas do mundo
Que no seu fundo guarda quereres antigos
Sua água nem tempestade nem calmaria
tinha gosto do prazer suado
e do amor impossível
Mas dizia-se feliz
feliz e imensamente só
Dizia morrer sempre nas noites escuras
até que alguma Lua estendia-lhe a mão
Mas querendo brilhar
avistava um Sol e se oferecia a navegar.

POEMINHA 3:
Ah Mar, que de tão grande não me sai do corpo
e mostra que a cada dia de sol
o que me resta são tuas gotas de sal.

Nayane Muniz.

Na visão da Pedra

Toda essa situação é engraçada, eu to aqui há tanto tempo e ninguém se importa comigo, mas quando o doido meteu canoa n’água e por lá ficou, virou assunto em todo o vilarejo. Nem pedem por favor, mas guardam comida na minha boca, quando não, sentam em cima de mim, ou pior, pisam em mim. Queria ver se fosse o contrário, se eles iriam gostar. Mas volta e meia, dou o troco, deixo crescer limo nas minhas extremidades e é certo que alguém caia, meu principal freguês nessa hora, é o filho do doido.
Só porque não posso me mexer, fico na vontade de fazer as coisas. Enquanto o outro, que tudo pode fazer, perde a vida olhando pro rio, no mínimo esperando que o pai volte. Não entendo, tudo mundo já foi embora, mãe, irmã, irmão... Mas ele, não.
Meu lugar é privilegiado, quase tudo que acontece por aqui, eu presencio ou fico sabendo no disse-que-disse, uns vem de dia, outros de noite... Falam bem, falam mal... Mas o objeto da conversa não muda: o homem que se enfiou rio adentro apenas com data de partida.
O melhor nessa historia, foi a esposa, que antes de partir, vinha toda madrugada admirar o rio, longe dos olhos dos outros, ventos arrancavam lagrimas dos seus olhos. Ela que se mostrava durona diante dos outros, só a mim confessava o que realmente estava sentido.
Só eu sei o quanto ela queria dar um tapa na cara do marido, mas logo depois sentir seu afago. Ela sabia que doença não existia, que outra mulher não havia... Por isso não entendia, porque ele partiria. Mas uma coisa ela sabia, que saudade dele ela sentia.
O doido, apesar de todos procurarem por ele, só aparecia pro filho, eu ficava na dúvida se era carma ou graça... Vi quando olhou pro filho, vi quando acenou pro filho, vi quando chegou do meu lado na margem do rio, mas foi nessa hora que não vi o filho, saiu correndo e se escondeu o máximo que poderia e quando não viu mais o pai, voltou e pediu perdão, vai entender.
Quando só restou o filho por aqui, as noites de lua cheia são regadas a rezas e orações na margem do rio. Não agüento mais, acham que eu não sinto dor. Mas sinto! Não gosto nada nada, quando nessas noites, vem uma dúzia de pessoas e não param de pingar cera quente pra pregar as velas na minha costa, se tem gente que gosta, eu não!
Os conselhos que mais são ditos ao filho são para ele esquecer essa vida, e partir pra cidade, buscar pela sua mãe e pelos outros parentes, ou então, simplesmente pra ele viver, pois o que está fazendo não é vida, e sim, morte.
Mas não adianta, toda manhã ele está de volta, mesmo velho e acabado do jeito que está, não desiste. Está decidido a ser o pai e não mais o filho. Quer trocar de lugar com pai, mesmo sabendo que o pai não está mais lá. Quer subir na canoa, quer deixar de ser filho, quer ser pai, quer ser margem do rio... Quer ser a 3ª margem do rio.

(Autor: Diogo Arero)

Na visão do irmão caçula

O meu tempo aqui findou, amanhã vou embora, em busca de alguma cidade onde ninguém tenha ouvido falar na estória do meu pai, na nossa estória, deixarei tudo isso pra trás, não falarei, nem pensarei mais nesse acontecido. O que ninguém sabe é que hoje o nosso pai de foi para sempre... ou melhor se encantou, se integrou definitivamente no rio,ele agora é também rio... mistério...
Sempre soube, ao contrário do que todos imaginavam,o que se passava com o nosso pai... suas aflições, seu descontentamento, sua eterna agonia, não havia mais jeito,ele fora dominado pelo rio, e o próprio rio deu a ele tudo que ele precisava para cumprir o seu destino – sobreviver, viver e existir em paz – dessa forma osso pai era plenamente feliz. A mim até então coube viver a retaguarda de nosso pai, de todos e de tudo, essa era a minha sina... , acabou afinal !!!
Sigo em paz, pois sei que os meus estão bem, minha irmã já se mudou com o marido e o filho pra longe daqui e não demora nossa mãe seguirá os passos dela. Sofro por nosso irmão, que ao não entender a sina do nosso pai, ficou perdido entre o seu próprio destino e o destino dele... mas um dia ele se encontrará – ou não – Deus o guarde.
O rio agora ficará calmo por muitas gerações, até que apareça outro ser encantado como nosso pai e repita o seu viver, dando continuidade ao encanto e magia do rio, esse rio que nos dá e também nos tira a vida, esse rio que tem pensar, saber e vontade própria e até parece gente... quem sabe se não é...; ou deus como Poisedon, esse rio que para viver e da vida não se basta com belezas e duas margens e de tempos em tempos precisa de alguém encantador e encantado para ser a sua terceira margem.

Selma Santos

Visão de Guimarães Rosa

Nas minhas andanças, a história de um homem vivendo numa canoa próximo a margem do rio, de onde não saia nunca em nenhuma circunstância, me impressionou muito. Isto aconteceu num vilarejo num desses inúmeros sertões do Brasil. Um lugar quieto, sossegado e tranqüilo, cortado por um imenso rio de águas tranqüilas de onde de uma margem não se avistava a outra. Um rio bonito, num lugar lindo, agradável, de clima tropical cercado de vegetação rasteira, típica da região, com algumas árvores e muitos arbustos, que atraía para o lugar diversos tipos de pássaros e insetos que juntamente com a paisagem transformava tudo em um verdadeiro arco-íris, devido a variação de cores existentes. Os dias de sol e as noites de lua cheia nessa região são genuínas pinturas, um quadro perfeito de um grande artista.
Essa história poderia ser contada sob diferentes óticas: de qualquer membro da família, de um parente, de um amigo, de um vizinho, de um conhecido ou mesmo de algum outro ser, animal, coisa ou objeto, mas eu preferir contá-la na visão do filho mais velho, pelo fato dele ter se envolvido tanto com a situação do pai ao ponto de passar a viver completamente em função deste em detrimento da sua própria vida, perdendo assim a sua identidade.
Comove–me muito a reflexão que tive do ser humano a partir dessa história. Quantos canoeiros iguais aquele homem existem por ai neste mundão de Deus?... É só olhar em volta para enxergar-los, é só vê.
Recordo-me que em Salvador, capital da Bahia, na Liberdade (o bairro mais populoso da cidade) existiu há poucos anos, um jovem homem com mais ou menos uns trinta anos , que circulava pelas ruas entre os transeuntes completamente coberto de lama e quando esta secava ele se lambuzava de novo e continuava a sua caminhada em silencio, com aparência tranqüila, olhar fixo no horizonte, sem esbarrar em ninguém , sem emitir nenhum som , de tempos em tempos ele sumia e quando menos se esperava, lá estava ele nas ruas de novo, cabelos e barbas longas ,isso durante muitos e muitos anos, como apareceu, sumiu - o curioso para mim e as outras pessoas que o viram por muitos anos, é que a impressão que dava era a que ele não envelhecia . Era conhecido como o “homem sujeira do mundo”.
Em São Paulo no Parque do Ibirapuera, quem não ouviu falar do “profeta”, um homem de estatura mediana, idoso, magro, cabeludo e barbudo que circulava pelo parque gesticulando e gritando, falando coisas sem nexo, dizendo que o rio ia virar mar e o mar virar sertão, que os alimentos iriam acabar, não haveria mais árvores, florestas, matas, água para beber e haveria enchentes, inundações, seca, fome, frio e que o mundo iria se acabar. Pois é, ai está o aquecimento global e o nosso “profeta”, inspira hoje o homem propaganda da TV.
Eles podem ser encontrados em qualquer lugar do mundo em qualquer parte do planeta em praias, ruas, matas, florestas, praças, parques, etc... Por exemplo, em Nova York , no Central Parque temos a mulher árvore, em Paris ás margens do rio Sena, o homem apaixonado, em Roma ao redor da fonte dos desejos, os sonhadores, ... Eles são o nosso homem da canoa, a terceira margem do rio.

P.S.: Peço desculpas ao Dário (nosso diretor), aos colegas e especialmente ao MESTRE GUIMARÃES ROSA, por meu devaneio.
Selma Santos

Visão da loucura: Verdade ou loucura?

O que você é? Quem você é? Pra que você é?
Quão louco nos somos diante dessa total normalidade? Normalidade de um mundo louco, que esconde em seus padrões de perfeição a despresível hipocrisia de toda essa perfeição.
E mais uma vez. Pra quê?
Ah! Você se choca com a minha verdade?
E por que não se choca com suas próprias mentiras, que escondem a sua verdade?
A sua, não tão mais bonita, nem mais feia, não mais admirável, nem menos vergonhosa, que a minha verdade.
Que porra de senso comum?
Onde tá esse senso comum, se a verdade hoje em dia é tão incomum?
É meus queridos! A verdade é como um rio; guarda mistérios, lendas e algumas poucas verdades (provadas cientificamente). Porque só assim acreditamos. Não é verdade?
Mas, e nós? Como fazemos, se e a gente não vem com selo do IMETRO?
A gente acaba, na vontade, na ânsia, na carência, acreditando em qualquer coisa. Eu, pelo menos, sou assim.
Sabe que eu acho que é por isso que muitas pessoas preferem ficar sozinhas?
Até porque só quando estamos sozinhos é que somos verdadeiramente nós mesmos.
Eu, às vezes, tenho vontade de renunciar um monte desses hábitos culturais; ser um pouco mais animal, que é o que somos. Acho que dessa forma seríamos mais verdadeiros, mais naturais.
Às vezes, não sei mais nem o que seria a verdade, que até chego a pensar que a mentira é uma forma de verdade.
Que loucura, não?
Mas todos nós temos um grau de insensatez, ás vezes, o quanto nos convêm. Graças a Deus que temos!
Porque só a loucura desafia as regras estabelecidas pelo senso comum. Só o louco ousa, desafia o perigo e o desconhecido.
O mundo tá precisando de loucos, de loucos mais conscientes do que esse “bando de normais” que vemos por aí.
E por favor, não vamos fracassar diante de nossa covardia, diante do nosso medo da vida. Não vamos calar o q precisa ser dito, nem vamos deixar de viver o que essencialmente precisa ser vivido.
Só existindo com liberdade podemos curar e suplantar a dor que vida nos impõem.

Aldo Pessoa de Figueiredo.

Visão de um neto:

Nas noites de lua cheia, eu sempre fiquei acordado espiando o rio, espiando a lua que se espelha no rio, na esperança de ver ao menos o vulto do velho, um velho que foi morar no rio, aqui mesmo nesse rio, que passa no trapiche de nossa casa. E isso não é história inventada, foi ocorrido de verdade, saiu até em papel de jornal na época.
A história é assim: há muito tempo, um homem mandou fazer uma canoa, sem porque nem pra que. Quando a canoa ficou pronta, sem ninguém saber o motivo, ele se embrenhou no meio do rio. A esposa e os filhos (dois homens e uma mulher), de tudo fizeram pro velho voltar, mais o velho nunca voltou.
Meu pai morreu cedo, mas era ele quem me contava essa história e eu nunca esqueci. Ele também sempre falava que muito aprendeu com esse velho. Esse velho era pai do meu. A minha vó por parte do velho, meus tios e meu primo, eu nunca conheci, foram simbora daqui pra nunca mais.
Ontem, no meio da noite, vi um velho numa canoa, alí na beira. A noite tava um breu, mas posso assegurar que aquele velho era o meu avô. Eu senti isso!
Hoje é a última noite que passamos aqui. Minha mãe não aguenta mais a solidão. Vamos pras bandas da minha avó de mãe, num outro rio, que corre bem longe daqui.
Tinha uma música que meu pai sempre cantava, que era assim:
Meu pai vai.

Foi a canoa no rio
Foi nosso pai que partiu
Foi a canoa sumindo
Na groa do mato, o mato do rio

Rio de beleza e encanto
Por que tens que trazer tanta dor?
Rio que me dá de comer e beber
Traz de volta o meu pai por favor

Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai
Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai

Foi pai que ensinou a pescar
Foi pai que ensinou a nadar
Foi pai que ensinou a remar
Por pai aprendi a rezar


Foi pai que ensinou a pescar
A nadar, a remar, aprendi a rezar

Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai
Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai

Vai, vai, singrando, remando
Vai, vai, traz meu pai
Pai, pai, mistérios que eu canto
Pai, pai, meu pai vai.

Aldo Pessoa de Figueiredo.

Análise da obra III

1. Principais personagens

O pai, a mãe, o filho (personagem-narrador), a filha e o outro filho.

Observação: o fato de os personagens não terem nome reforça a idéia de
que sua caracterização física e psicológica não é colocada em primeiro
plano. O que prevalece é o referencial dos membros de uma família, uma
vez que são identificados por termos como pai, mãe, etc.

2. Fatos principais

* O pai mandou fazer uma canoa.
* Disse adeus aos familiares e saiu reio afora.
* O pai percorria o rio em ponto eqüidistante das
margens, indo e voltando pelas águas, mas sem sair daquele espaço
próximo à sua casa.
* Parentes, amigos e conhecidos reuniram-se para
tentar entender aquela atitude, fazendo cogitações sobre os possíveis
motivos que o levaram a agir assim.
* O filho mais velho levava para a beira do rio um pouco de comida que pegava escondido.
* A mãe mandou chamar seu irmão para ajudar na fazenda e nos negócios.
* O tempo ia passando e o pai continua no seu percurso de ir e vir, sem aproximar-se das margens.
* A filha casou-se , teve um menino e quis mostrá-lo
ao pai dela, levando-o para a beira do rio e esperando juntamente os
outros familiares.
* A família chamou e esperou; o pai não apareceu e todos choraram.
* A filha mudou-se com o marido e o filho.
* O irmão mais novo resolveu ir para a cidade.
* A mãe, envelhecida, foi residir com a filha.
* O filho envelhecera e sofria os primeiros problemas da velhice.
* O filho foi para a beira do rio e acenou com um lenço.
* Avistou o pai e chamou por ele, propondo tomar o seu lgar na canoa.
* O pai ouviu, ficou de pé e fez um aceno, concordando.
* Ele fez a canoa rumar para o local onde estava o filho.
* Quando o filho viu o pai se aproximar, apavorou-se e correu dali.
* O filho adoeceu.

3. Clímax


O clímax do conto concentra toda a carga emocional que vai se
acumulando ao longo da narrativa; é o momento que o pai, depois de
tantos e tantos anos, faz um aceno para o filho quando ele se propõe a
tomar seu lugar na canoa. Durante toda a história, todos esperavam
qualquer comunicação com o pai, o que nunca ocorreu até esse momento
específico da seqüência narrativa.




4. O desfecho

O desfecho é profundamente triste: o filho corre do pai e,
conseqüentemente, dos sofrimentos que teria de passar, caso tomasse seu
lugar na canoa. Essa atitude traz ao personagem um sentimento de culpa
e de completo fracasso. Resta-lhe somente a experiência da morte
iminente.



Sinopse

Um homem de meia-idade deixa sua familia e amigos para viver isolado em uma canoa no meio de um rio, na região central do Brasil, e jamais volta a pisar em terra firme. Seu único contato com as pessoas acontece através de seu filho Liojorge, que lhe deixa comida na margem do rio. Os anos se passam e a filha Rosário casa com um rapaz da região e vai morar na cidade. O filho também casa, mas decide permanecer com a mãe e continuar levando diariamente a comida para o pai invisível. Quando nasce Nhinhinha, a filha de Liojorge, e que tem poderes mágicos, o rapaz resolve levá-la até a beira do rio para apresentá-la ao pai.

Análise da obra II

O Homem manda construir uma canoa,despede-se da família sem palavra alguma e parte, tornando-se rio... Rio abaixo, rio acima, o pai, desfigurado de tempo, transforma-se em paisagem enquanto, à margem, o filho acompanha sua trajetória e tenta definir os porquês.
A rotina incorpora o mistério. A família se adapta à nova realidade, cria novas margens para o curso cotidiano, nascimentos e mortes marcam o tempo, e o que os outros falam preenche o pensamento da família. A culpa permeia os sobreviventes, mas todos se calam diante do silêncio da terceira margem.
O homem e o rio... Todos fingem não perceber a loucura - a lucidez é rendida pela culpa. Por que o homem abandonou a margem para ser meio de rio? Por que o filho abandonou a travessia para ser margem?
Sem destino, não há mais origem... A vida desmorona em frágeis margens... O homem, o filho, o rio... Paisagens coisificadas no mundo, homens lançados à margem de qualquer possibilidade.
A terceira margem do rio é um conto primoroso de Guimarães Rosa, onde o autor aborda a loucura e o abandono com a poesia e a linguagem que caracterizam o grande escritor. Trata metaforicamente a origem, o destino e a travessia, a necessidade de viver as águas, ora violentas, ora calmas, do rio com o objetivo de chegar ao lugar almejado.
O conto termina quando, num ato desesperado, o filho se oferece para ficar na canoa no lugar do pai e foge com a aproximação do mesmo. A iminência de se tornar rio e o primeiro gesto do pai depois de tantos anos o preenchem de medo. O filho pede perdão pelo "procedimento desatinado", mas o pai desapareceu para sempre no rio.
“Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio adentro - o rio.”
Em outras obras de Guimarães Rosa, encontramos as margens e os rios. No romance Grande sertão - Veredas, o protagonista Riobaldo fala sobre as margens do rio e como não percebemos a travessia por estarmos tão preenchidos de margens - de origens e destinos. A vida aporta às margens e não incorpora as vivências do rio.
“Ah, tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas - e no meio da travessia não vejo! - só estava era entretido nas idéias dos lugares de saída e de chegada.”
Homens que abandonam os ideais e ficam a cargo do rio da rotina; outros que enlouquecem e perdem o sentido, e ainda os que apenas preferem constituir calados à terceira margem, tornando-se indiferentes ao mundo. Não há responsabilidades ou objetivos, são apenas margens da margem num rio indiferente.
São tantos os rios passíveis de travessia... E também tantas as margens... Reticente, a linguagem demonstra a possibilidade de navegação dos grandes rios. O recomeço, a recriação de cada margem de origem e a transformação do destino em um novo porto inicial. Não são apenas as palavras de Guimarães Rosa que margeiam os grandes rios, são as ações, as diversas etapas de sua vida que demonstram a grandeza dos grandes navegadores.
Em 1952, Guimarães Rosa retornou aos seus "gerais" quando participou junto com um grupo de vaqueiros por uma viagem pelo sertão - longa viagem às raízes deste ilustre brasileiro que criou na literatura uma nova linguagem, imortalizando os homens que permaneceram à margem da história brasileira.
Com tantas veredas conquistadas na aridez dos sertões cotidianos, Guimarães Rosa é a pluralidade das margens, o curso dos rios ou a viagem aos grandes sertões individuais como inspiração para tantas novas crônicas. Aventurar-se na travessia é dar margem ao desbravamento de nossas possibilidades, escrevendo as lutas e realizações no centro do manuscrito.

Helena Sut

Análise da obra

A terceira margem do rio, da obra Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, é narrado em primeira pessoa e é o mais famoso e o mais aberto conto do autor. Existe no conto uma intertextualidade bíblica com Noé.

Tempo

Neste conto o tempo cronológico é de um longo período, toda a vida do narrador. Mas a intensidade com que as impressões e o amadurecimento do narrador são trabalhados dão enfoque ao tempo psicológico.

Espaço

O espaço é delimitado pela presença concreta do rio, caracterizando a paisagem rural de sempre. Desse espaço, como foi comentado anteriormente, emanam magia e transcendentalismo aos olhos do leitor, no ir e vir do rio e da vida.

Personagens

Os personagens são: filho (narrador-personagem), pai (“virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia”), mãe, irmã, irmão, tio (irmão da mãe), mestre, Padre, dois soldados e jornalistas.

Esses personagens, sem nomes, acabam se caracterizando como tipos sociais, por suas funções na história. A observação desse aspecto já mostra, no pai, a tendência ao isolamento. Sempre fora a mãe a responsável pelo comando prático da família. O pai, sempre quieto. O filho e narrador não foi aceito na infância para companheiro do pai no seu desafio. Na maturidade, quando tem a oportunidade, acha não estar preparado para ir rumo ao desconhecido, ao "inominável".

Recursos de estilo

• Toda essa estranha história vem vazada no já comentado estilo típico de Guimarães Rosa. A oralidade é reproduzida na fala do narrador: Do que eu mesmo em alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem ralhava no diário com a gente.

• As frases, curtas e coordenadas, independentes, garantem um ritmo lento e pausado à leitura: Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá concordando.

• A sintaxe é recriada de maneira inusitada, provocando estranhezas durante a leitura: "não fez a alguma recomendação", "nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele".

• A repetição também é um recurso expressivo comum ao autor, como no caso: e o rio-rio-rio, o rio sempre fazendo perpétuo.

• Neologismos também estão presentes ("diluso", talvez variante de diluto, diluído; ou "bubuiasse") ao lado de termos regionais como "trouxa", no sentido de comida e roupas, típico no falar dos boiadeiros; além de outras palavras pouco comuns: encalcou, entestou etc.

• As figuras de linguagem reforçam o lado poético do conto como exemplificam a gradação "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!", a antítese "perto e longe de sua família dele", além do próprio caráter metafórico do rio.

Sem dúvida, todos esses recursos geram dificuldade ao leitor que desafia a obra rosiana. Mas, uma vez enfrentados, eles permitem o acesso ao mundo do "encantatório", ao mundo do desconhecido, da terceira margem, que só poderia ser recriado por uma linguagem também recriada e nova, capaz de refletir todo o deslumbramento desse universo.

A temática deste conto é a loucura.

Desde o título, o leitor já depara com o insólito da obra rosiana: o que vem a ser a terceira margem do rio? A expressão provoca o entendimento a fim de despertá-lo para o mundo do inconsciente, do abstrato. A terceira margem é aquilo que não se vê, que não se toca, que não se conhece.

O pai, ao ir à procura da terceira margem do rio, busca o desconhecido dentro de si mesmo; o isolamento é a única maneira encontrada para procurar entender os mistérios da alma, o incompreensível da vida. A estranha história do homem que abandona sua família para viver em uma canoa e nunca mais sair dela é o argumento exemplar usado pelo autor para discorrer sobre o medo do desconhecido.

O rio sempre teve destaque na imaginação do autor:

[…] amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar a eternidade.
Guimarães Rosa

Um aspecto interessante a ser notado é que o narrador, quando criança, queria embarcar com o pai. Este o impediu. Adulto, intui o porquê da busca do pai e, chegando-se à margem do rio, diz que quer substituí-lo. É o único momento em que o velho se manifesta, indo em direção à margem. No entanto, o narrador fica com medo da imagem do pai, que parecia vir do outro mundo. Foge. Por isso, torna-se a única personagem fracassada, pois não foi capaz de transcender, de realizar seu salto.

Resumo do conto

A terceira margem do rio conta a história de um homem que evade de toda e qualquer convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do rio, lugar em que, dentro de uma canoa, rema “rio abaixo, rio a fora, rio a dentro”.

Por contradizer os padrões normais de comportamento, ele é tido como um desequilibrado.

O narrador-personagem é seu filho e relata todas as tentativa da família, parentes, vizinhos e conhecidos de estabelecer algum tipo de comunicação com o solitário remador. Contudo o pai recusa qualquer contato.

A família, inicialmente aturdida com a atitude inusitada do pai, vai-se acostumando com seu abandono. Com o tempo, mudam-se da fazenda onde residiam; a irmã casa-se e vai embora, levando a mãe; o irmão também muda-se para outra cidade. Somente o narrador permanece.

Sua vida torna-se reclusa e sem sentido, a não ser pelo desejo obstinado de entender os motivos da ausência do pai: “Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio-pondo perpétuo.”

Um dia, dirige-se ao rio, grita pelo pai e propõe tomar o seu lugar na canoa. Mediante a concordância dele, o filho foge, apavorado, desistindo da idéia: “E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão. (...) Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado.”

O narrador-personagem nos dá a conhecer um ser humano cujos ideais de vida divergem dos padrões aceitos como normais. Trata-se do pai do narrador, o qual com sua atitude obstinada, ao mesmo tempo, afronta e perturba seus familiares e conhecidos, que se vêem obrigados a questionar as razões de seu isolamento e alienação.

O único a persistir na busca de entendimento da opção do pai é o narrador, que não descuida dele e chega a desejar substituí-lo. A escolha do isolamento no rio instiga permanentemente o filho. Este é levado a questionar o próprio existir humano.

Pela ótica do filho

Desde quando avistei aquela canoa sendo construída, algo me apertou o coração.
Algo dentro de mim disse que o pai partiria. Sua ausencia, fez de meus dias uma
tristeza tamanha, mas sempre com a esperança de que um dia ele ia de voltar.
O pai nos abandonou. Tornei-me o homem que sou hoje com ajuda da vida. E agora
sou como ele, meu pai. Da maneira como ele se foi, eu também fui, seguir os passos
de meu pai era meu grande desejo. Só não era maior do que a vontade de reencontra-lo
em algum lugar para onde o rio o tenha levado. E as mesmas correntesas que o levaram
para longe de mim, me conduzam ao seu encontro.

Amanda Santana

Comentário (por vagda)

O texto é uma simbologia do pai, uma figura intacta. Que na verdade não quer nada com nada. Anda desligado de tudo, dos filhos, da esposa e até dos amigos. Fala o que não deve. E ouvi o que não quer. E ainda cria dentro de sua própria autonomia. Manda fazer uma canoa, o verdadeiro símbolo de sua fraqueza. Diz que é para conhecer um mundo que não conhece. Mas se depara com os erros de sua loucura. Horas homem comum amigo dos seus filhos, um pai carinhoso, um marido exemplar e um amigo dos amigos. Conhecido e respeitado em toda cidade. Outras um covarde. Um dos filhos interpreta a atitude de seu pai como um herói. Descreve cada detalhe com carinho e ao mesmo tempo tristeza. Não desejava esse abandono. A família aprende a conviver sem sua presença, os filhos cresceram, uns se casam e até netos lhe deram e onde ele estava? Perdido entre seus pensamentos.

Sob a ótica do pai

Filho não carece de ocê ficar me seguindo, tome seu rumo,faça como seus irmãos e sua mãe,que me deixaram seguir o rio na agonia dos meus pensamentos.
Já estou arrependido de ter manejado a canoa ao seu encontro ,não esperava que ocê fosse se assustar,só queria pedir pra ocê não depositar mais rapadura,broa de pão e os cachos de banana,porque o cheirinho da broa me atormenta, me alembra o aconchego de casa e deixa esse meu coração velho apertado e ele já está fraco e arrependido de ter deixado tudo prá trás.
Eu devia de ter feito uma canoa mais fraca, com pau inferior ao de vinhático prá que ela apodrecesse logo no vai-e-vem do rio, aí eu ia ter a desculpa de poder voltar, mas não, ela é forte como meu sofrimento, não se acaba nunca,as vezes,rezo prá ela emborcar quando vem a chuva,mas ela só sacoleja de um lado pro outro e não vira é teimosa como sua mãe.As vezes me ponho a pensar:será que todos já me esqueceram? Agora to vendo que ocê não, está atormentado sentindo minha falta filho.
Me alembro também edo dia que lhe botei à bênção eque ocê queria partir comigo, ainda bem que ocê ficou,aqui é só rio,de ponta a ponta grande como minha solidão.Quando chega o dia ,olho prá cima,só vejo céu,com a cabeça escorada na proa,quando olho prá baixo só vejo rio,rio,rio. Então pergunto: por que ocê haverá de tomar meu lugar na canoa filho? Se eu vi nos seus olhos o pavor de trocar de lugar comigo?Não pense que isso vai me chatear-não vai não,já estou acostumado com tudo que é ruim.
A primeira delas foi deixar ocês, a outra foi não abraçar meu neto naquele dia no rio e,agora é ver o quanto ocê se agonia prá querer tomar o meu lugar na canoa,mas lhe falta coragem,e é dessa coragem que eu precisava prá não me embrenhar nesse riozão,coragem de não ter saído de casa,mas é minha sina,manejar remo nágua até o desfalecimento.
Vou pedir prá Deus que assossegue esse seu coração atormentado filho, ocê não precisa de ter culpa de nada,o culpado de tudo sou eu nessa água que não pára nunca,como minhas lágrimas a rolar...sem fim.Volte prá casa filho.

Cloris Valente

MÚSICA: VOANDO SEM DESTINO

AUTORA: JUDITE TORRES GUIMARÃES

Minha águia voa longe,
Voa, voa sem parar,
Muito além do infinito,
Para os rumos do rio mar.
Rio que corre a canoa,
Canoa corre no rio,
Indo pra terceira margem,
Onde gente nunca viu.
Voa, voa minha águia,
Sobrevoa a canoa,
Veja o homem pensativo,
Sem saber o seu destino.
Onde vive navegando,
Navegando no rio mar,
Sempre dentro da canoa,
Rema, rema sem parar.
Voa, voa minha águia,
Entre as nuvens lá no céu,
Observa a canoa,
Feito barco de papel.
Vem voando minha águia,
Vem voando para o ninho,
Deixa isso, deixa agora,
Cada um tem seu destino.

MÚSICA: A CANOA


AUTORA: ANTONIA TORRES GUIMARÃES COSTESSEQUE
É na canoa nesse rio imenso,
E na canoa o velho vem e vai,
Vai navegando pelo rio adentro,
E ouve o vento a lhe sussurrar,
Vai navegando pela mata virgem,
A natureza vai lhe acompanhar,
E na canoa nas suas noites tristes,
Vem a lua pra lhe acalentar.
É na canoa nesse rio imenso,
E na canoa o velho vem e vai,
Vai procurando seu próprio destino,
Com sua canoa ele vai olhar,
E com a chuva a tocar seu rosto,
Vem o sol para lhe despertar.
Vai navegando longe dessa gente,
Vai navegando pro lado de lá,
Deixa sua gente, deixa seus amigos,
E pro seus filhos um beijo vai dar,
Pra sua mulher um olhar languido,
Pois na canoa é que ele vai ficar.
Os animais perguntam o que é isso,
O que esse homem faz neste lugar,
Ele que ir para a terceira margem,
Pois é onde resolveu morar.

O vento ao pai:

Ser musica é ser som e ser silêncio.

Silêncio é swing
Ruído é movimento.

Para ser uma parte de um todo inteiro; o perfeito lado de um oposto complementar, é preciso que sejas inteiro na parte que te cabe. Se não aprenderes por ti mesmo, só um semelhante para te guiar: Eu, vento.

Abandone os remos. Te deixes à deriva de meus sopros: ensinamento!


Para ser todo música, é preciso ser muito silêncio e bastante som.

É o silêncio que entra nos alvéolos – inspiração. Pra só depois expirar a energia que vibra - som.

É pelo silêncio que contemplas o universo inteirinho dentro do corpo.

Um tempo de solidão é uma dádiva. Dois tempos mais… Desgraça?

Mas, eis que diz o silêncio:
“buscai por mim, buscai por mim, mas jamais me encontrarás” – Já provara o velho Cage.

É mesmo o silêncio ausência de som?

Ausência de som é ausência de vida.

Silêncio pulsa.
Pulsa porque alimenta.
Alimenta porque vivifica.



Bendito seja o estar em silêncio!

Que sejas então, Senhor do não som!

Que suportes nada ouvir e nada pronunciar. Nem uma nota ferir, nem um solfejo sequer cantarolar. Que cerrem seus lábios e ouvidos até que aprendas a ser inteiro em ser só. (silêncio...)

E quem sabe, quando este tempo findar, serás então todo música? E toda música que manifestar de ti, não será somente aos ouvidos. Será para os olhos, para o tato, para o olfato, para as papilas gustativas. Música para os pés descalços, para o umbigo e para as entranhas. Para as pálpebras em movimento, para os dentes e cabelos. Música para toda a gente, alma.

Corpo inteiro.
por agora:
- Shhhh!...

Cibelle Jemima

Ótica do Pai (parte 2)

Aquele rio escuro cheio de mistérios e bichos me chamou para junto dele, e mergulhei naquele verde, naquela imensidão, naquela margem, o som dos pássaros me conformava e a brisa do vento me acalmava .Era uma sensação tão boa que nunca tinha sentido, então continue remando, remando, remando sem destino, rumo a terceira margem que tanto me suportava.Tudo era tão novo a sensação era muito gostosa que nem lembrava mais da minha família.Parei de remar e fiquei observando o barulho inquietante daquele rio que me adorava e aceitava.Era o paraíso.Então mergulhei naquela água fria e ao mesmo tempo quente que tanto me chamava era tão bom sentir o rio, que nem penso em volta para minha família.

Felippe Rodrigues Batista