domingo, 9 de maio de 2010

Ótica do pai

POEMA 1:
Gotas espalhadas pelo meu corpo
Calada, a companhia das águas do imenso mar
As profundezas das lembranças
Lavam os espaços perdidos entre minhas mãos
Que seguram os reflexos de um velho espelho
Refletindo meu ser despedaçado posto a se configurar

O rio do mundo com olhos cúmplices
Avisa o redemoinho na esquina navegada
Pedindo força nos braços hora calejados
Que dita num som distante
Que não se pode ter medo do mar
Posto que ele sou eu pronta a navegar.

POEMA 2:
Imenso mar
Que espelha o profundo das coisas do mundo
Que no seu fundo guarda quereres antigos
Sua água nem tempestade nem calmaria
tinha gosto do prazer suado
e do amor impossível
Mas dizia-se feliz
feliz e imensamente só
Dizia morrer sempre nas noites escuras
até que alguma Lua estendia-lhe a mão
Mas querendo brilhar
avistava um Sol e se oferecia a navegar.

POEMINHA 3:
Ah Mar, que de tão grande não me sai do corpo
e mostra que a cada dia de sol
o que me resta são tuas gotas de sal.

Nayane Muniz.

Na visão da Pedra

Toda essa situação é engraçada, eu to aqui há tanto tempo e ninguém se importa comigo, mas quando o doido meteu canoa n’água e por lá ficou, virou assunto em todo o vilarejo. Nem pedem por favor, mas guardam comida na minha boca, quando não, sentam em cima de mim, ou pior, pisam em mim. Queria ver se fosse o contrário, se eles iriam gostar. Mas volta e meia, dou o troco, deixo crescer limo nas minhas extremidades e é certo que alguém caia, meu principal freguês nessa hora, é o filho do doido.
Só porque não posso me mexer, fico na vontade de fazer as coisas. Enquanto o outro, que tudo pode fazer, perde a vida olhando pro rio, no mínimo esperando que o pai volte. Não entendo, tudo mundo já foi embora, mãe, irmã, irmão... Mas ele, não.
Meu lugar é privilegiado, quase tudo que acontece por aqui, eu presencio ou fico sabendo no disse-que-disse, uns vem de dia, outros de noite... Falam bem, falam mal... Mas o objeto da conversa não muda: o homem que se enfiou rio adentro apenas com data de partida.
O melhor nessa historia, foi a esposa, que antes de partir, vinha toda madrugada admirar o rio, longe dos olhos dos outros, ventos arrancavam lagrimas dos seus olhos. Ela que se mostrava durona diante dos outros, só a mim confessava o que realmente estava sentido.
Só eu sei o quanto ela queria dar um tapa na cara do marido, mas logo depois sentir seu afago. Ela sabia que doença não existia, que outra mulher não havia... Por isso não entendia, porque ele partiria. Mas uma coisa ela sabia, que saudade dele ela sentia.
O doido, apesar de todos procurarem por ele, só aparecia pro filho, eu ficava na dúvida se era carma ou graça... Vi quando olhou pro filho, vi quando acenou pro filho, vi quando chegou do meu lado na margem do rio, mas foi nessa hora que não vi o filho, saiu correndo e se escondeu o máximo que poderia e quando não viu mais o pai, voltou e pediu perdão, vai entender.
Quando só restou o filho por aqui, as noites de lua cheia são regadas a rezas e orações na margem do rio. Não agüento mais, acham que eu não sinto dor. Mas sinto! Não gosto nada nada, quando nessas noites, vem uma dúzia de pessoas e não param de pingar cera quente pra pregar as velas na minha costa, se tem gente que gosta, eu não!
Os conselhos que mais são ditos ao filho são para ele esquecer essa vida, e partir pra cidade, buscar pela sua mãe e pelos outros parentes, ou então, simplesmente pra ele viver, pois o que está fazendo não é vida, e sim, morte.
Mas não adianta, toda manhã ele está de volta, mesmo velho e acabado do jeito que está, não desiste. Está decidido a ser o pai e não mais o filho. Quer trocar de lugar com pai, mesmo sabendo que o pai não está mais lá. Quer subir na canoa, quer deixar de ser filho, quer ser pai, quer ser margem do rio... Quer ser a 3ª margem do rio.

(Autor: Diogo Arero)

Na visão do irmão caçula

O meu tempo aqui findou, amanhã vou embora, em busca de alguma cidade onde ninguém tenha ouvido falar na estória do meu pai, na nossa estória, deixarei tudo isso pra trás, não falarei, nem pensarei mais nesse acontecido. O que ninguém sabe é que hoje o nosso pai de foi para sempre... ou melhor se encantou, se integrou definitivamente no rio,ele agora é também rio... mistério...
Sempre soube, ao contrário do que todos imaginavam,o que se passava com o nosso pai... suas aflições, seu descontentamento, sua eterna agonia, não havia mais jeito,ele fora dominado pelo rio, e o próprio rio deu a ele tudo que ele precisava para cumprir o seu destino – sobreviver, viver e existir em paz – dessa forma osso pai era plenamente feliz. A mim até então coube viver a retaguarda de nosso pai, de todos e de tudo, essa era a minha sina... , acabou afinal !!!
Sigo em paz, pois sei que os meus estão bem, minha irmã já se mudou com o marido e o filho pra longe daqui e não demora nossa mãe seguirá os passos dela. Sofro por nosso irmão, que ao não entender a sina do nosso pai, ficou perdido entre o seu próprio destino e o destino dele... mas um dia ele se encontrará – ou não – Deus o guarde.
O rio agora ficará calmo por muitas gerações, até que apareça outro ser encantado como nosso pai e repita o seu viver, dando continuidade ao encanto e magia do rio, esse rio que nos dá e também nos tira a vida, esse rio que tem pensar, saber e vontade própria e até parece gente... quem sabe se não é...; ou deus como Poisedon, esse rio que para viver e da vida não se basta com belezas e duas margens e de tempos em tempos precisa de alguém encantador e encantado para ser a sua terceira margem.

Selma Santos

Visão de Guimarães Rosa

Nas minhas andanças, a história de um homem vivendo numa canoa próximo a margem do rio, de onde não saia nunca em nenhuma circunstância, me impressionou muito. Isto aconteceu num vilarejo num desses inúmeros sertões do Brasil. Um lugar quieto, sossegado e tranqüilo, cortado por um imenso rio de águas tranqüilas de onde de uma margem não se avistava a outra. Um rio bonito, num lugar lindo, agradável, de clima tropical cercado de vegetação rasteira, típica da região, com algumas árvores e muitos arbustos, que atraía para o lugar diversos tipos de pássaros e insetos que juntamente com a paisagem transformava tudo em um verdadeiro arco-íris, devido a variação de cores existentes. Os dias de sol e as noites de lua cheia nessa região são genuínas pinturas, um quadro perfeito de um grande artista.
Essa história poderia ser contada sob diferentes óticas: de qualquer membro da família, de um parente, de um amigo, de um vizinho, de um conhecido ou mesmo de algum outro ser, animal, coisa ou objeto, mas eu preferir contá-la na visão do filho mais velho, pelo fato dele ter se envolvido tanto com a situação do pai ao ponto de passar a viver completamente em função deste em detrimento da sua própria vida, perdendo assim a sua identidade.
Comove–me muito a reflexão que tive do ser humano a partir dessa história. Quantos canoeiros iguais aquele homem existem por ai neste mundão de Deus?... É só olhar em volta para enxergar-los, é só vê.
Recordo-me que em Salvador, capital da Bahia, na Liberdade (o bairro mais populoso da cidade) existiu há poucos anos, um jovem homem com mais ou menos uns trinta anos , que circulava pelas ruas entre os transeuntes completamente coberto de lama e quando esta secava ele se lambuzava de novo e continuava a sua caminhada em silencio, com aparência tranqüila, olhar fixo no horizonte, sem esbarrar em ninguém , sem emitir nenhum som , de tempos em tempos ele sumia e quando menos se esperava, lá estava ele nas ruas de novo, cabelos e barbas longas ,isso durante muitos e muitos anos, como apareceu, sumiu - o curioso para mim e as outras pessoas que o viram por muitos anos, é que a impressão que dava era a que ele não envelhecia . Era conhecido como o “homem sujeira do mundo”.
Em São Paulo no Parque do Ibirapuera, quem não ouviu falar do “profeta”, um homem de estatura mediana, idoso, magro, cabeludo e barbudo que circulava pelo parque gesticulando e gritando, falando coisas sem nexo, dizendo que o rio ia virar mar e o mar virar sertão, que os alimentos iriam acabar, não haveria mais árvores, florestas, matas, água para beber e haveria enchentes, inundações, seca, fome, frio e que o mundo iria se acabar. Pois é, ai está o aquecimento global e o nosso “profeta”, inspira hoje o homem propaganda da TV.
Eles podem ser encontrados em qualquer lugar do mundo em qualquer parte do planeta em praias, ruas, matas, florestas, praças, parques, etc... Por exemplo, em Nova York , no Central Parque temos a mulher árvore, em Paris ás margens do rio Sena, o homem apaixonado, em Roma ao redor da fonte dos desejos, os sonhadores, ... Eles são o nosso homem da canoa, a terceira margem do rio.

P.S.: Peço desculpas ao Dário (nosso diretor), aos colegas e especialmente ao MESTRE GUIMARÃES ROSA, por meu devaneio.
Selma Santos

Visão da loucura: Verdade ou loucura?

O que você é? Quem você é? Pra que você é?
Quão louco nos somos diante dessa total normalidade? Normalidade de um mundo louco, que esconde em seus padrões de perfeição a despresível hipocrisia de toda essa perfeição.
E mais uma vez. Pra quê?
Ah! Você se choca com a minha verdade?
E por que não se choca com suas próprias mentiras, que escondem a sua verdade?
A sua, não tão mais bonita, nem mais feia, não mais admirável, nem menos vergonhosa, que a minha verdade.
Que porra de senso comum?
Onde tá esse senso comum, se a verdade hoje em dia é tão incomum?
É meus queridos! A verdade é como um rio; guarda mistérios, lendas e algumas poucas verdades (provadas cientificamente). Porque só assim acreditamos. Não é verdade?
Mas, e nós? Como fazemos, se e a gente não vem com selo do IMETRO?
A gente acaba, na vontade, na ânsia, na carência, acreditando em qualquer coisa. Eu, pelo menos, sou assim.
Sabe que eu acho que é por isso que muitas pessoas preferem ficar sozinhas?
Até porque só quando estamos sozinhos é que somos verdadeiramente nós mesmos.
Eu, às vezes, tenho vontade de renunciar um monte desses hábitos culturais; ser um pouco mais animal, que é o que somos. Acho que dessa forma seríamos mais verdadeiros, mais naturais.
Às vezes, não sei mais nem o que seria a verdade, que até chego a pensar que a mentira é uma forma de verdade.
Que loucura, não?
Mas todos nós temos um grau de insensatez, ás vezes, o quanto nos convêm. Graças a Deus que temos!
Porque só a loucura desafia as regras estabelecidas pelo senso comum. Só o louco ousa, desafia o perigo e o desconhecido.
O mundo tá precisando de loucos, de loucos mais conscientes do que esse “bando de normais” que vemos por aí.
E por favor, não vamos fracassar diante de nossa covardia, diante do nosso medo da vida. Não vamos calar o q precisa ser dito, nem vamos deixar de viver o que essencialmente precisa ser vivido.
Só existindo com liberdade podemos curar e suplantar a dor que vida nos impõem.

Aldo Pessoa de Figueiredo.

Visão de um neto:

Nas noites de lua cheia, eu sempre fiquei acordado espiando o rio, espiando a lua que se espelha no rio, na esperança de ver ao menos o vulto do velho, um velho que foi morar no rio, aqui mesmo nesse rio, que passa no trapiche de nossa casa. E isso não é história inventada, foi ocorrido de verdade, saiu até em papel de jornal na época.
A história é assim: há muito tempo, um homem mandou fazer uma canoa, sem porque nem pra que. Quando a canoa ficou pronta, sem ninguém saber o motivo, ele se embrenhou no meio do rio. A esposa e os filhos (dois homens e uma mulher), de tudo fizeram pro velho voltar, mais o velho nunca voltou.
Meu pai morreu cedo, mas era ele quem me contava essa história e eu nunca esqueci. Ele também sempre falava que muito aprendeu com esse velho. Esse velho era pai do meu. A minha vó por parte do velho, meus tios e meu primo, eu nunca conheci, foram simbora daqui pra nunca mais.
Ontem, no meio da noite, vi um velho numa canoa, alí na beira. A noite tava um breu, mas posso assegurar que aquele velho era o meu avô. Eu senti isso!
Hoje é a última noite que passamos aqui. Minha mãe não aguenta mais a solidão. Vamos pras bandas da minha avó de mãe, num outro rio, que corre bem longe daqui.
Tinha uma música que meu pai sempre cantava, que era assim:
Meu pai vai.

Foi a canoa no rio
Foi nosso pai que partiu
Foi a canoa sumindo
Na groa do mato, o mato do rio

Rio de beleza e encanto
Por que tens que trazer tanta dor?
Rio que me dá de comer e beber
Traz de volta o meu pai por favor

Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai
Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai

Foi pai que ensinou a pescar
Foi pai que ensinou a nadar
Foi pai que ensinou a remar
Por pai aprendi a rezar


Foi pai que ensinou a pescar
A nadar, a remar, aprendi a rezar

Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai
Na beira do rio, na beira do rio
Beirando o rio, meu pai vai

Vai, vai, singrando, remando
Vai, vai, traz meu pai
Pai, pai, mistérios que eu canto
Pai, pai, meu pai vai.

Aldo Pessoa de Figueiredo.

Análise da obra III

1. Principais personagens

O pai, a mãe, o filho (personagem-narrador), a filha e o outro filho.

Observação: o fato de os personagens não terem nome reforça a idéia de
que sua caracterização física e psicológica não é colocada em primeiro
plano. O que prevalece é o referencial dos membros de uma família, uma
vez que são identificados por termos como pai, mãe, etc.

2. Fatos principais

* O pai mandou fazer uma canoa.
* Disse adeus aos familiares e saiu reio afora.
* O pai percorria o rio em ponto eqüidistante das
margens, indo e voltando pelas águas, mas sem sair daquele espaço
próximo à sua casa.
* Parentes, amigos e conhecidos reuniram-se para
tentar entender aquela atitude, fazendo cogitações sobre os possíveis
motivos que o levaram a agir assim.
* O filho mais velho levava para a beira do rio um pouco de comida que pegava escondido.
* A mãe mandou chamar seu irmão para ajudar na fazenda e nos negócios.
* O tempo ia passando e o pai continua no seu percurso de ir e vir, sem aproximar-se das margens.
* A filha casou-se , teve um menino e quis mostrá-lo
ao pai dela, levando-o para a beira do rio e esperando juntamente os
outros familiares.
* A família chamou e esperou; o pai não apareceu e todos choraram.
* A filha mudou-se com o marido e o filho.
* O irmão mais novo resolveu ir para a cidade.
* A mãe, envelhecida, foi residir com a filha.
* O filho envelhecera e sofria os primeiros problemas da velhice.
* O filho foi para a beira do rio e acenou com um lenço.
* Avistou o pai e chamou por ele, propondo tomar o seu lgar na canoa.
* O pai ouviu, ficou de pé e fez um aceno, concordando.
* Ele fez a canoa rumar para o local onde estava o filho.
* Quando o filho viu o pai se aproximar, apavorou-se e correu dali.
* O filho adoeceu.

3. Clímax


O clímax do conto concentra toda a carga emocional que vai se
acumulando ao longo da narrativa; é o momento que o pai, depois de
tantos e tantos anos, faz um aceno para o filho quando ele se propõe a
tomar seu lugar na canoa. Durante toda a história, todos esperavam
qualquer comunicação com o pai, o que nunca ocorreu até esse momento
específico da seqüência narrativa.




4. O desfecho

O desfecho é profundamente triste: o filho corre do pai e,
conseqüentemente, dos sofrimentos que teria de passar, caso tomasse seu
lugar na canoa. Essa atitude traz ao personagem um sentimento de culpa
e de completo fracasso. Resta-lhe somente a experiência da morte
iminente.



Sinopse

Um homem de meia-idade deixa sua familia e amigos para viver isolado em uma canoa no meio de um rio, na região central do Brasil, e jamais volta a pisar em terra firme. Seu único contato com as pessoas acontece através de seu filho Liojorge, que lhe deixa comida na margem do rio. Os anos se passam e a filha Rosário casa com um rapaz da região e vai morar na cidade. O filho também casa, mas decide permanecer com a mãe e continuar levando diariamente a comida para o pai invisível. Quando nasce Nhinhinha, a filha de Liojorge, e que tem poderes mágicos, o rapaz resolve levá-la até a beira do rio para apresentá-la ao pai.