domingo, 9 de maio de 2010

Na visão da Pedra

Toda essa situação é engraçada, eu to aqui há tanto tempo e ninguém se importa comigo, mas quando o doido meteu canoa n’água e por lá ficou, virou assunto em todo o vilarejo. Nem pedem por favor, mas guardam comida na minha boca, quando não, sentam em cima de mim, ou pior, pisam em mim. Queria ver se fosse o contrário, se eles iriam gostar. Mas volta e meia, dou o troco, deixo crescer limo nas minhas extremidades e é certo que alguém caia, meu principal freguês nessa hora, é o filho do doido.
Só porque não posso me mexer, fico na vontade de fazer as coisas. Enquanto o outro, que tudo pode fazer, perde a vida olhando pro rio, no mínimo esperando que o pai volte. Não entendo, tudo mundo já foi embora, mãe, irmã, irmão... Mas ele, não.
Meu lugar é privilegiado, quase tudo que acontece por aqui, eu presencio ou fico sabendo no disse-que-disse, uns vem de dia, outros de noite... Falam bem, falam mal... Mas o objeto da conversa não muda: o homem que se enfiou rio adentro apenas com data de partida.
O melhor nessa historia, foi a esposa, que antes de partir, vinha toda madrugada admirar o rio, longe dos olhos dos outros, ventos arrancavam lagrimas dos seus olhos. Ela que se mostrava durona diante dos outros, só a mim confessava o que realmente estava sentido.
Só eu sei o quanto ela queria dar um tapa na cara do marido, mas logo depois sentir seu afago. Ela sabia que doença não existia, que outra mulher não havia... Por isso não entendia, porque ele partiria. Mas uma coisa ela sabia, que saudade dele ela sentia.
O doido, apesar de todos procurarem por ele, só aparecia pro filho, eu ficava na dúvida se era carma ou graça... Vi quando olhou pro filho, vi quando acenou pro filho, vi quando chegou do meu lado na margem do rio, mas foi nessa hora que não vi o filho, saiu correndo e se escondeu o máximo que poderia e quando não viu mais o pai, voltou e pediu perdão, vai entender.
Quando só restou o filho por aqui, as noites de lua cheia são regadas a rezas e orações na margem do rio. Não agüento mais, acham que eu não sinto dor. Mas sinto! Não gosto nada nada, quando nessas noites, vem uma dúzia de pessoas e não param de pingar cera quente pra pregar as velas na minha costa, se tem gente que gosta, eu não!
Os conselhos que mais são ditos ao filho são para ele esquecer essa vida, e partir pra cidade, buscar pela sua mãe e pelos outros parentes, ou então, simplesmente pra ele viver, pois o que está fazendo não é vida, e sim, morte.
Mas não adianta, toda manhã ele está de volta, mesmo velho e acabado do jeito que está, não desiste. Está decidido a ser o pai e não mais o filho. Quer trocar de lugar com pai, mesmo sabendo que o pai não está mais lá. Quer subir na canoa, quer deixar de ser filho, quer ser pai, quer ser margem do rio... Quer ser a 3ª margem do rio.

(Autor: Diogo Arero)

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