quarta-feira, 21 de abril de 2010

Por muito tempo minha mãe sofreu com a solidão. Todas as vezes que escutava o canto dos pássaros, o barulho do rio descendo a montanha em queda livre formando um lindo véu de noiva. Chegava a se emocionar! Partia o coração ao vê o silêncio da sua dor. Por muito, anos acompanhei seu sofrimento, não só pelo abandono do meu pai, mais pelas palavras das línguas maldosas daquele lugar, típico do interior.

Mas foi naquela tarde, uma tarde diferente de todas que já vi. Chovia! Mais não como aquela que estamos acostumados, com raios, trovão e alagamento. Não! Era uma chuva silenciosa, calma, fria, cautelosa. Cheguei a senti a ansiedade nos olhos de minha mãe ao escutar a melodia triste de um sabiá que temia em está ali nas árvores do jardim. O seu canto era como um chamado. Minha mãe passou a segui o seu canto, chovia muito. Ela não usara nem o guarda chuva, nem uma capa para se proteger, apenas quis segui o seu coração que voltava a bater forte. Ouve momentos em que o sabiá se aproximava, indicando-lhe o caminho a ser seguido, o mais engraçado é que ela entendia tudo, cada gesto daquele pequeno pássaro. Eu a seguia me escondendo por entre as arvores e moitas de mato que encontrava pelo caminho. Até chegamos as margens do rio.

O pássaro pousara em seu ombro esquerdo e um canto meloso fez, saí lágrimas de seus belos olhos. Como se falasse com ela. Eu nada entendia. A chuva era mais suave que seu canto, o rio enchera de borboletas brancas, azuis, amarelas, verdes, de todas as cores e formava um lindo balé, a melodia daquela canção. Uma nuvem branca, mais leve que um algodão cobria o rio. Um lindo espetáculo da natureza! Minha mãe não me via, pois, eu estava escondido por entre os arbustos próximo do rio.

Fazia muito frio, estávamos encharcados! Quando surge por entre as águas mansas do rio, aquele homem de barba branca, roupas surradas, chapéu de palha e uma capa de couro velho. Suas mãos remavam tranquilamente, levando a canoa até as margens do rio. Qual não foi o meu espanto ao reconhecer que aquele homem era o meu velho e amado pai. Ele já não era o mesmo! Senti uma vontade louca de vê-lo de perto, abraça- lo, e dizer a ele o quanto eu o amava. Mais era a minha mãe que ele chamava! Seus olhos cruzaram aos dela, como se os orixás, guinômos, fadas, e todos os deuses da floresta os uni-se em um só coração.

Ele desceu da canoa, suas botas já não eram as mesmas. Minha mãe não sabia se odiava ou se o abrasava. Ele tocou seu rosto, ela apenas o encarava, caia de seus olhos lágrimas de emoção, mágoa, abandono. Eles apenas se olharam, um olhar profundo cheio de duvidas, perguntas e respostas que nunca vieram.

_Por que, demorou tanto? – Foram as únicas palavras de minha mãe. Eles se abraçaram e o resto vocês já até imaginam. Foi mágico, romântico. Até que ele subiu na canoa e num gesto de adeus partiu e nunca mais voltou.

A chuva havia passado, uma brisa suave nos confortava. Corri abracei minha mãe. As borboletas sobrevoavam sobre o rio, os pássaros em silêncio ficaram e toda floresta se calou ao canto do irapurú. Vi meu pai desaparecer nas águas do rio. Compreendi naquele dia que a vida é cheia de surpresas e que o amor é algo tão simples, tão delicado que poucos são privilegiado, com tal sentimento.

Voltamos para casa, não lhe perguntei nada, apenas respeitei sua dor. Agora meu pai se tornara uma lenda, um mito, um homem que se perdeu nas margens do rio...

Por Vagda Santana, em 15 de abril de 2010, baseado na obra de Guimarães Rosa, A terceira Margem do Rio.

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