quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ótica do neto

[Escrevi o conto na visão do neto. Escrevendo um carta pro tio que foi morar na cidade]

Tio,
O senhor sabe que quando eu cheguei, ele já tinha partido, tudo que eu sei foi porque minha mãe me contou. Lá no vilarejo fiquei conhecido como Simba, depois descobri o porque, foi quando em cima de uma pedra e sob a sombra de um guarda-sol fui erguido diante do rio. Queria ter conhecido meu avô, homem honesto, amigo de todos, queria ter conhecido, principalmente, pra saber porque ele foi embora, cada um diz uma coisa diferente, mas só ele poderia me contar o verdadeiro motivo que o fez partir, quem sabe eu não partisse junto com ele.
Faz tempo que não vou para a margem do rio, vovó não gosta, ela diz que não é bom ficar lembrando dos que já partiram, mas eu sei que ela ficaria plantada na margem se pudesse, ela não se juntou com mais ninguém, e de noite quando finjo dormir, percebo nos olhos cheios d’água dela um brilho de esperança, de que ele amanhã estará batendo na porta. Mas como seria possível? Ele nem mesmo sabe onde moramos, meu tio continuava lá sozinho, fazia tempo que não escrevia uma carta pra gente. Na ultima, ele disse que o vovô acenou pra ele, mas com medo, saiu correndo.
Em alguns dias vou pra lá, vou passar um tempo com meu tio - escolha minha - mamãe não gostou, mas entendeu, ele precisa de alguém lá, não tem mais vida, a vida dele é a vida do pai, e se é pelo meu avô, partia hoje se eu pudesse.
O titio está acabado, nem o reconheci quando cheguei, a casa quase não era mais casa, a madeira dava de comer aos cupins. Dia e noite, sol e chuva, seu irmão não sai da margem do rio, se eu não levar o que comer, ele não vem buscar.
Mesmo depois de tantas e tantas luas, o vovô ainda é comentado pela cidade. Me contaram que toda lua cheia os mais chegados se reúnem na margem do rio e rezam. Eu mesmo, já presenciei algumas vezes, uns pedem milagres, outros agradecem o que conseguiram. Confesso que não entendo, meu avô virou Santo? Entidade? Deus? Porque ele não continuou sendo apenas meu avô, e ficado por aqui?
O titio não anda muito normal, um dia desses tive a impressão de que ele tava conversando com uma pedra. Peixe nem comemos mais, ele disse que qualquer coisa que vem do rio pode ser um pedaço do vovô, e que ele vai sentir dor. Sei que não teria como isso acontecer, mas obedeci. O problema é que o almoço demora mais pra sair, porque caçar na floresta não é fácil.
A vovó reclamava que o senhor não deu mais noticias desde que foi embora, mas vi aqui algumas cartas do senhor, acho que o senhor não sabe, mas a vovó foi morar com a mamãe, por isso ela não recebia suas cartas, mas vou mandar pra ela todas que o senhor mandou pra cá, ela ficará feliz, ela vivia choramingando com a mamãe por não ter noticias suas. Falava: “Já perdi meu homem, um filho não quis vim comigo, e agora, o outro esquece que tem mãe! Só você mesmo pra lembrar de mim.”
O senhor agora tem uma sobrinha também, mamãe deu a luz um mês atrás. A casa era só alegria. Ainda mais quando deram o nome dela à neta. Só assim vi um sorriso no rosto da vovó depois de tanto tempo.
Assim que acontecerem novas coisas, eu escrevo pro senhor. Se cuide por ai.

Sobrinho.

(Autor: Diogo Favacho Arero)

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